English:
http://musicacontemporaneaparaviolao.blogspot.com.br/2016/12/last-part-special-edition-carlevaro.html
Español:
http://musicacontemporaneaparaviolao.blogspot.com.br/2016/12/centenario-de-carlevaro-ultima-parte_28.html
Assim foi temperado o aço, diz o título de um velho romance operário. Assim foi temperada a técnica e a concepção de interpretação de Antônio Guedes. É interessante verificar como a vivência de um homem se projeta em sua realização (...) Em Antônio Guedes, o metalúrgico, admiro o homem e o artista, numa só pessoa”.
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Assim foi temperado o aço, diz o título de um velho romance operário. Assim foi temperada a técnica e a concepção de interpretação de Antônio Guedes. É interessante verificar como a vivência de um homem se projeta em sua realização (...) Em Antônio Guedes, o metalúrgico, admiro o homem e o artista, numa só pessoa”.
(compositor Gilberto Mendes)
Entrevista
com Antônio Carlos Guedes de Oliveira (1937), violonista, professor, natural de
Capivari (SP-Brasil). Foi aluno de Isaías Sávio (1958-1964) e Henrique Pinto. Em
1960, venceu, entre 35
concorrentes, o Concurso de Conservatórios do Estado de São Paulo, patrocinado
pela Giannini. Foi solista em várias
apresentações, inclusive no Teatro Municipal de São Paulo (1964). Obteve uma bolsa para estudar com Abel Carlevaro (1980). Entre
seus ex-alunos, destacam-se Fabio Zanon e Luiz Mantovani (Brazilian Guitar Quartet). Tudo isso junto a uma vida de
metalúrgico profissional. Entrar em contato com o prof. Guedes é sempre muito
bom, é como chegar a um porto seguro depois de tanta tempestade. 2016 está terminando, deixemos então
que ele nos guie em segurança para 2017.
(Teresinha Prada) Em 2016 estamos comemorando o
Centenário do nascimento de Abel Carlevaro. A relação de Carlevaro com o Brasil
foi muito marcante. Qual é o legado para os violonistas brasileiros em geral, na
sua opinião?
(Prof
Guedes) Bom,
falar no Maestro Abel Carlevaro sem ter um breve histórico do violão é meio
vago. Então podemos iniciar com Carulli e Carcassi, dois grandes pedagogos,
formados em música geral na Escola Italiana. Por música geral entenda-se
Teoria, Harmonia, Composição, Instrumentação, conhecimento geral dos
instrumentos da época etc., e que migraram para o violão, que na época era um
mercado novo na Europa e faltavam professores. Depois temos o quarteto de
gigantes ou os quatro pilares do violão: Sor , Giuliani, Aguado e Coste, com
seus métodos e obras, que até hoje fazemos. Aliás , quem não fez os 25 estudos do Carcassi (opus 60)? Que foi na época como é agora os 12 Estudos do Villa.
Depois veio a vez dos virtuosos, Regondi, Mertz, Legnani, Zani de Ferranti,
culminando em Tárrega, que deixou uma herança didática importantíssima com
alunos como Llobet, Pujol, Sainz de La Maza, Josefina Robledo e tantos outros,
que fixaram residência em outros países. Bom, com Tárrega temos duas coisas
importantes que aconteceram: primeiro, a
influência na construção do violão moderno ou guitarra Torres La Leona; segundo, as transcrições, que é
o tema atual onde precisamos de mais dedos para tocar peças que vem de outros
instrumentos. Então quando apareceram em salas de concerto Segovia, Barrios,
Llobet, Yepes tocando repertório pesado com transcrições difíceis – em que a
técnica básica normal não dava conta de tudo, pois o virtuoso Tárrega elevou o
repertório do violão de transcrições –, a coisa mudou de rumo e era preciso
resolver, além do problema musical, o problema técnico instrumental das mãos
também.
No caso, sabemos que Tárrega foi pianista de profissão e o violão era hobby, mas atendendo ao diretor do
conservatório onde se formou passou a ter o violão como instrumento principal e
o piano como secundário, por isso ele transcreve tão bem que quem estuda bem o
violão, toca as transcrições dele normalmente. Percebemos também que quando
vamos tocar transcrições de alguns violonistas famosos não conseguimos o
domínio desejado da obra em questão, isso se deve ao fato de que o
transcritor conhece bem o instrumento de chegada, mas não conhece bem o
instrumento de partida. No caso do Tárrega – é obvio – ele conhecia bem o de
partida e o de chegada. Então aí entra a obra do Mestre Carlevaro, dando
uma nova direção técnica na mobilidade das mãos, um trabalho disciplinado com exercícios sobre todos os aspectos conhecidos, criando um manual de
exercícios e fórmulas práticas que atende aos estudantes do violão que querem
tocar com segurança e domínio do instrumento. Esta nova técnica, dividida em
quatro volumes e um manual com muitos itens técnicos, tem quase todas as
possibilidades de como resolver problemas musicais com exercícios
práticos, e direcionados com fórmulas e toques em geral, este é o grande legado
do mestre Abel Carlevaro.
Fale-nos sobre Abel Carlevaro –
qual foi a primeira vez que ouviu falar dele, foi por meio de quem, do Henrique
Pinto talvez?
Bom,
quando estudava com o maestro Isaías Sávio, havia entre os violonistas,
informações boca-a-boca sobre todos os melhores violonistas da época e seus
trabalhos. Como o maestro era muito bem informado, pois recebia
partituras, cartas e livros do mundo inteiro, ele nos informava de tudo o que
sabia, pois não tínhamos a informação de hoje, aliás copiava-se partituras a
mão todos os dias, não tinha xerox; cresci nesse tempo, trabalhando em metalúrgicas: Ford, Krupp,
Volkswagen. E tinha uma coisa muito importante nessa época: é que
professores eram muito respeitados e alunos obedeciam, toda a informação era
muito bem-vinda e cumprida à risca. Nessa época o maestro Sávio falava muito em
Llobet, Segovia, Maria Luisa Anido, Narciso Yepes, e tinha um tratamento especial
quando falava no Carlevaro, considerando-o como um virtuoso moderno, mas que na
realidade foi um grande estudioso do violão, pois pelo que sei, Carlevaro
e Segovia trabalharam por mais de 10 anos, período em que o mestre Segovia
viveu no Uruguai, quando houve a Guerra Civil de Franco na Espanha.
Desse
trabalho resultariam quatro livros de técnica e um manual explicativo dessa
nova maneira de fazer exercícios. Um belo dia o maestro Sávio me convidou para
ir à noite em seu apartamento ouvir um Long-Play com a gravação dos Cinco Prelúdios de Villa-Lobos, que
chegou do Uruguai trazido por seu irmão Alberto Sávio, que por sinal também
tocava violão muito bem. Foi aí que ouvimos pela primeira vez os Cinco Preludios por Abel Carlevaro.
Estávamos mais ou menos em 8 ou 10 pessoas entre alunos e familiares do
Maestro, reunidas na sala do apartamento dele na Avenida São João. Esse foi
o primeiro contato que tive com o trabalho do maestro Carlevaro, isto ocorreu
por volta dos anos 1962 – 1963. Bom, minha impressão, e que guardo até hoje na
memória sobre a gravação, é que soou tudo tão exato, com passagens e
frases perfeitas, pois na época o violão era tocado mais livre com muitos
rubatos e maneirismos, onde cada um
tinha seu jeito de tocar, as leituras de um modo geral não eram tão exatas,
muito diferente de hoje. A nossa referência maior eram as gravações do Segovia,
que todo mundo queria imitar.
Hoje vejo
que com Carlevaro começou a mudar o modo de ver e pensar o violão, deu início
a uma nova era, ou seja a era Carlevariana, do qual sou adepto até hoje. Do seu
método e obras podemos afirmar mais uma vez que a obra vence a morte, como escrito por Platão, citado pelo mestre Isaías Sávio, numa pequena
biografia em seu álbum de 12 peças do grande Francisco Tárrega.
E a experiência de conviver com
Abel Carlevaro como aluno dele? Em que época da sua atuação isso aconteceu? O
senhor recebeu um prêmio, não é? Fale-nos a respeito dessa oportunidade.
Bom, é
uma longa história, mas dá para resumir. Quando na retomada dos meus estudos de
violão, ou seja quando eu quis me reciclar de tudo, podemos considerar isso como fases
da vida, porque chega um momento em que você não está feliz com o que sabe e
com você mesmo, e isto acontece com a maioria das pessoas que fazem ou
levam alguma coisa a sério, seja trabalho, estudo, arte..., no meu caso era a
música. Em 1977, havia passado 10 anos que estava sem professor, tinha me desligado
das aulas com o maestro Sávio, eu continuava estudando sozinho, mas girando em
falso, não progredia. Uma loja de música em Jundiaí (Só Som)
anunciava muitas partituras novas da Editora Ricordi. Fui fazer uma visita à
loja e comprei o livro de arpejos do professor Henrique Pinto; quando
comecei a ler o livro fiquei surpreso em ver quanto estava defasado no violão;
nesse livro percebi que se tocarmos 10 fórmulas por dia com todas as indicações
de ritmos e acentuações, levaremos uns 50 anos para tocar tudo. Percebi
também a grandeza do estudo do violão, e tinha que resolver este problema
estudando com o professor Henrique Pinto. Sabia que Henrique havia sido aluno
do Sávio na minha época de estudo e até participamos de recitais juntos,
tocando cada um várias peças. Sabia também que Henrique tinha estudado na
Espanha com o então famoso professor José Tomás, assistente do maestro
Segovia em masterclasses uma vez por ano na Espanha.
Entrei em
contato com Henrique, dizendo que queria fazer uma reciclagem e ele me atendeu
prontamente. Com Henrique comecei pelos 25
Estudos de Carcassi com muita dedicação e tive um progresso muito rápido,
tanto que em 1979 já estava com um repertório novo para apresentação, pois quando
começamos a primeira coisa que Henrique fez foi descartar o repertório antigo.
Trabalhamos nesses dois anos peças de Dowland, Bach, Sor, Torroba, Tárrega,
Albeniz, Villa-Lobos, Barrios etc.. Na década de 80, havia um movimento muito
grande do violão, onde Henrique promovia muitos recitais, em São Paulo e
Santos. Esses recitais eram muitas vezes divididos por dois violonistas ou duo
de violão com outros instrumentos. Me lembro que na Nova Acrópole, os recitais
eram semanais, juntos com os da Santa Casa de Santos.
Foi um
tempo muito bom para o violão, pois as apresentações lotavam sempre. Numa
dessas apresentações, Henrique me pediu para fazer um recital solo, que é
aquele famoso recital em que acertei 90% do que estudei, e nessa apresentação
estava presente o Mestre Gilberto Mendes, o qual fez aquela crítica no jornal ( “Assim foi
temperado o aço...”) , senão me engano é uma citação russa, muito usada pelos
comunistas brasileiros da época. Como as apresentações eram sempre aos sábados
, eu precisava folgar na sexta para ficar com as mãos mais leves, dois dias
sem pegar em ferramentas, só tocando, daí eu teria mais segurança no toque do
violão. Foi então que conversei com o meu gerente, propondo trabalhar num sábado anterior e folgar na sexta seguinte, resultando em dois
dias para me preparar melhor; o gerente concordou e ficou assim
combinado.
Como disse, o recital foi muito bom, saíram boas críticas nos
jornais, coisa que não existe mais, pois estamos regredindo em tudo – o que é uma lástima, a pessoa estuda bem,
sabe o que faz, mas não é reconhecido. Quando retornei ao trabalho e
mostrei o jornal aos colegas, amigos e ao gerente também, ele ficou
entusiasmado e me falou que sua esposa, quando jovem, tinha estudado guitarra clássica
na Alemanha. Foi daí que surgiu a ideia dele de fazer um recital no dia das
secretárias, 29 de Outubro, somente para gerentes e secretárias na Krupp Campo
Limpo S/A. Bom, dei o recital que foi gravado em fita cassete e enviado para a central
da Krupp no Rio de Janeiro, onde fica a diretoria geral, para apreciação. Bom,
pelo que me contaram, ficaram espantados em saber, e ouvir, que um funcionário
deles sabia tocar um instrumento difícil, com habilidade e música de alto
nível, pois toquei Bach, Scarlatti, Tárrega, Granados, Torroba, Villa-Lobos, e
de bis Sons de Carrilhões (João
Pernambuco). Sei que, um belo dia em novembro do mesmo ano 1980, meu gerente me
chamou e me falou se eu queria um cargo, pagamento por tocar etc., então falei que
não queria dinheiro ou cargo, queria sim estudar mais, aprender, ter mais
conhecimento no violão, para poder passar para meus alunos quando me
aposentasse, pois eu já dava aulas aos sábados desde 1971 na Escola
de Música Pio X, escola que dou aulas até hoje. Então a diretoria da Krupp contatou
uma faculdade na Espanha, para ver se eu poderia fazer um curso de violão, mas
eles exigiam que eu tivesse um curso superior de música e eu só tenho o
Conservatório Gomes Cardim de Campinas, então não servia. Daí surgiu a ideia de
um curso de um mês no Uruguai com o maestro Carlevaro, justamente porque
eu tinha um mês de férias para tirar na Krupp, e deu tudo certo. Então mandei
uma carta ao maestro, contando de meu curriculum, que me aceitou de imediato. Lá fui ao Uruguai com passagem paga ida e volta e hospedagem, só paguei aulas e alimentação. Me apresentei ao maestro com mais alunos
na sala, tinha argentinos, uruguaios, franceses, americanos etc., cada um
tocou uma peça e no final ele comentou vocês são estudantes de faculdade,
passam o dia estudando música e esse homem trabalha em uma factory, fábrica, tive a impressão que ele falou bravo por
não ter gostado do que ouviu, aí ele me chamou para tocar o Recuerdos... , então todos me
cumprimentaram e eu fiquei muito feliz, depois perguntaram como estudava,
quanto tempo por dia, coisa que cada um tem que achar o seu tempo disponível
para estudar, mas temos que estudar todos os dias.
Na
primeira aula foi quando ganhei a confiança total do maestro, pois ele me
perguntou que repertório queria fazer e respondi que não fui lá para fazer
repertório e sim os quatro livros de técnica dele, pois com isso iria
progredir e ensinar os meus alunos. Nesse instante nosso elo ficou muito maior,
porque ninguém quer ensinar, todos querem tocar bem, só que eu queria ensinar o
melhor possível. Fizemos os quatro livros inteiros num mês com duas aulas
por semana, que passou muito rápido. O mês de janeiro de 1981 ficou marcado na
minha vida como um tempo muito bom em que vi e aprendi coisas que não esperava
aprender, ficou marcado na minha lembrança a figura do maestro Carlevaro como
uma pessoa de alto valor moral, conhecedor profundo do instrumento e música em
geral, exato, sensato, cordial, humano, preocupado com tudo e com todos, sonhava
com um mundo melhor, obreiro, enfim um ser humano exemplar, que tive o prêmio
de conviver por um mês.
Em sua percepção,
como foi a assimilação da escola de Carlevaro na sua performance musical?
Como
sempre procurei estudar o melhor possível dentro da minha capacidade, não foi
difícil assimilar a escola Carlevariana, pois em um mês fiz os quatro livros
inteiros, para minha surpresa e do maestro, pois quando na primeira aula ele
me perguntou que repertório queria fazer, e respondi que queria fazer a escola
dele, então daí começou a integração entre mestre e aluno, que até
hoje tenho como um tempo de ouro no meu aprendizado. Sempre quando se faz a
mesma coisa pela segunda vez, você adquire um certo domínio sobre o
mesmo serviço, aprendi isso em fábricas fazendo peças, por 37 anos, pois
comecei em oficinas com 12 anos e me aposentei com quase 50 anos, e no violão
comecei com 15 anos, e estudo até hoje. Se você souber administrar seu tempo, você faz qualquer coisa que queira. Na música, no trabalho, nos estudos em
geral, seja matemática, física, química, biologia, línguas, história,
geografia, ciências humanas etc.: a
repetição com inteligência é a mãe do conhecimento, e quem tem a técnica faz a
arte. Bom, se você levar em conta que os fundamentos do violão são,
basicamente, arpejos, escalas e ligados, e se você trabalhar bem estes três
fundamentos, terá capacidade de resolver outras coisas como trinados,
ornamentos, aberturas, explosão nas escalas, e até resolver o que chamamos hoje
de trinos em cordas duplas, que são
técnicas para usar em Bach, Scarlatti etc.. Então suas mãos vão
adquirindo memória muscular, habilidades motoras, certezas de movimento e a
famosa “certeza de toque” que é quando você tem uma segurança total numa
passagem ou trecho musical, ou seja quando você nunca erra aquele trecho. Vou
dar um exemplo: aquela subida e descida em ligados do Estudo 1 de Villa-Lobos. Tem uma outra coisa que acontece com um
bom treinamento, que é você deixar a mão resolver um problema de uma
passagem ou troca de dedos, isso é muito comum nas escalas principalmente na
mão direita, se você tenta colocar tudo certinho com a vista, quando vai
tocar, e dá errado; deixe a mão resolver o problema, isso se ela foi bem
orientada, porque se você quando inicia o estudo do violão e toca sem alternar
dedos, toca tudo sem uma lógica biológica, principalmente na mão direita, vai
ter problemas a vida inteira.
Lembro
muito bem da primeira aula com o maestro, toquei Pavana do Tárrega; ele viu, ouviu e disse: Guedes, na mão direita não se mexe nunca,
vamos trabalhar a mão esquerda. Então foi um alívio, pois o livro n.º 2
passamos bem e rápido e sem dificuldades, mesmo naquelas fórmulas com repetição
sincopadas do polegar, que por sinal são difíceis. Outra coisa sobre o livro 2, ele não gostou daquela diminuta fixa, então ele fez no meu livro uma
escalinha de baixos igual ao dos arpejos do Curso
Progressivo do Henrique Pinto, ele concluiu que aquela diminuta prolongada
trava a mão esquerda. Bom acho meio complicado tentar descrever aqui tudo o que
aprendi, pois muitas coisas só sei passando com o violão.
Hoje em dia podemos
assistir a vários vídeos na Internet na qual Abel Carlevaro aparece se
apresentando com mais de 80 anos de idade. Entre 2013 e 2014 o senhor gravou e
lançou em várias cidades o seu CD “Guedes toca Tárrega”. Como obter essa
longevidade na performance? Nisso também estão contidos os preceitos do
Carlevaro?
O
sono, a vida regrada sem excessos também ajuda na longevidade, assim como uma
alimentação bem balanceada é fundamental, como sempre se ouve, tudo tem que
estar bem equilibrado. No caso do CD, foi uma coisa meio "imposta" por Zanon,
pois um belo dia recebo um e-mail dele me propondo gravar um CD para marcar um
registro da minha passagem no violão aqui na terra, pois até então tinha
somente pequenos registros de audições e alguns vídeos, dos quais não como um
trabalho de estúdio; você sabe muito bem o que é uma gravação, tem que estar
tudo bem tocado e repetir bastante, aliás depois que se faz uma gravação,
você começa a aprender a estudar, com outra percepção, ou seja ouvir mais
aquilo que toca, e desenvolver autocrítica, pois nunca está bom, sempre pode
melhorar. No caso da gravação das peças de Francisco Tárrega, fui “contaminado”
quando tinha mais ou menos 12 anos, por um maestro de Banda de Coreto, José
Favoto, que morava perto da minha casa em Capivari; ele me via sempre no
portão de minha casa com um violão ou cavaquinho do meu pai, que era seresteiro
e acompanhava tudo de ouvido. Um belo dia ele passou e me mostrou uma foto do
Tárrega, num método antigo que tinha... é aquela famosa foto que tem em todos os
métodos quando se trata de Tárrega, e me disse: esse foi o maior violonista de
todos os tempos. Foi um impacto tão grande, que até hoje vejo aquela imagem na
minha mente. Bom, essa gravação fiz na Faculdade Cantareira em 2007, com a
supervisão de Zanon e (Ricardo) Marui na parte técnica e um trabalho especial
de Amadeu Rosa e Fabio Zanon no acabamento musical. Estas são pessoas que
considero como filhos e que não mediram esforços para completar o trabalho, e
se empenharam bastante na minha primeira e única gravação. A escolha das
obras de Francisco Tárrega para gravação se deu pelo motivo que sempre toquei
em recitais obras suas, então como sempre tive em meu repertório mais ou menos
de 30 a 40 peças dele entre estudos, peças e transcrições, não foi difícil
escolher 16 peças para gravar numa boa, sem crise, com tranquilidade; foram 4
quartas-feiras e em um mês estavam feitos a gravação e os takes.
Então a
gravação ficou guardada por 6 anos esperando a oportunidade de ser
lançada. Em 2013, a secretária de cultura de Jundiaí, Dona Penha, que por sinal
fez um trabalho muito bom na sua gestão, criou uma lei de incentivo à
cultura com prêmios na cidade, onde qualquer atividade artística poderia
concorrer – música, dança , coral, teatro etc.. Então dois amigos meus, o
violonista Daniel Mota e sua esposa Heloisa da Silva Oliveira, que trabalha na
área de promoções artísticas, conversaram com Fabio Zanon para lançar meu CD;
na apreciação da comissão julgadora, a qual tinha dez classificações, meu CD
ficou em primeiro lugar, dando um prêmio de 1000 CDs e 3 apresentações na
cidade. Do CD podemos perceber que não foi gravado por gravar, mas sim um
trabalho que faço há pelo menos 50 anos, tocando essas mesmas peças,
obras que fluíram normalmente sem crise alguma, tiro por base o Recuerdos de Alhambra que já toquei mais
vezes do que os Demônios da Garoa tocaram Trem
das 11. Acho que a melhor apresentação que fiz em recitais do Tárrega foi
quando toquei no MASP (Museu de Arte de São Paulo), nos programas que Henrique
fazia aos sábados à tarde; foi um dia de glória para mim, deu tudo certo, posso
afirmar que é muito raro acontecer.
E o que o senhor percebe como
aquilo que mais se relaciona com Carlevaro em seu trabalho como professor de
violão? Preparação de exercícios de técnica dirigida, tabelas de exercícios,
enfim uma organização de material didático?
Como
professor de violão ou de qualquer outra atividade de aulas, a primeira coisa
que o professor tem que ter é um grande prazer em ensinar, e
ter também o máximo de conhecimento daquilo que vai passar para os outros, ou
seja conhecimento amplo dos fundamentos. Não adianta nada você querer ensinar
sem saber bem os fundamentos daquilo que vai ensinar, ainda assim tem muitos
fundamentos superados que devem ser abolidos. Todos querem ensinar com boa
vontade, mas, se sabe pouco de nada adianta – só vai retardar o processo do
aprendizado do aluno. O violão é um instrumento curioso, pois você faz pouco no
instrumento e engana bastante, ao contrário do violino, como não é temperado,
não dá para enganar. Se em três anos o aluno não mostrar a que veio, acho que pode mudar de instrumento ou área. O aluno tem que
aprender mais do que o professor ensina, mas para que isso aconteça o professor
tem que dar elementos de evolução para os alunos.
Tendo aulas
com o professor Carlevaro, aprendi que primeiramente o professor tem que
tocar para ter a experiência real e prática de como fazer as coisas. Outra
coisa que me dizia sempre é nunca colocar pensamentos negativos na cabeça,
estudar com muita atenção as passagens difíceis e nunca depreciar as mais
simples, pois é ali que mais erramos. O estudo da técnica deve ser adquirido
passo a passo, para tocarmos o melhor possível. Se você analisar, nunca está
bom, sempre podemos melhorar um trecho, uma peça, estudo e até o próprio
exercício. A técnica dirigida ou técnica específica para cada obra é quando já
fizemos todas as técnicas de fundamentos, isto é aquelas que vêm nos métodos, a
famosa técnica pura, que pode ser em forma de lições também. Depois que você
fizer os métodos com lições e leitura consolidada, você pode começar na
técnica do Carlevaro – vou fazer um paralelo: quero aprender tocar no violão de
7 cordas, primeiro estudo o de 6 cordas.
Bom, vamos
dar um exemplo de como estabelecer um roteiro técnico:
1-
adquirir uma agenda que pode ser um caderno
2- marcar
dia a dia tudo o que estou fazendo
3-
estabelecer um horário para cada atividade técnica
4 -
estabelecer um horário para os estudos
5-
estabelecer um horário para as peças
6-
estabelecer um horário para a manutenção do repertório
7-
estabelecer um horário para memorização de peças novas
8- tudo
isso não pode passar de 3 horas diárias
9- essa
agenda pode ser semanal
10-
trabalho mental sem instrumento, que pode ser o dia inteiro
Técnica
Arpejos –
Escalas – Ligados – Saltos – Ornamentos – Exercícios etc..
Para ter
um apanhado geral de como colocar todos esses elementos técnicos durante a
semana, é preciso que aluno e professor administrem esse trabalho, que não é
fácil, dada a complexidade da existência de muito material, horário disponível
e prioridades do aluno.
Um
material muito bom é do professor Eduardo Castañera, que é na verdade um resumo
dos quatro livros do Carlevaro, sintetizado numa apostila da coleção Toque de
Mestre, editora hmp.
Mais:
Video Prof Guedes Recuerdos de la Allambra
CD Recuerdos - Guedes toca Tárrega