terça-feira, 21 de setembro de 2021

Teses brasileiras recentes destacam o violão na música contemporânea

Stanley Levi (UEMG/UFMG) recebe Menção Honrosa da Capes e Sérgio Ribeiro (UFMT/UFRJ) reluz o material de Marcos Alan. Ambos os trabalhos são plenos de metodologia científica e de beleza visual, com farto material sonoro-musical para ser apreciado. É a universidade pública pedindo passagem e dando seu recado.

 




Stanley Levi, em um trabalho hercúleo, estuda o violão percussivo.

No início de setembro de 2021 a CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - anunciou os vencedores do Prêmio Capes de Teses, sendo o violonista Stanley Levi, docente da Universidade Estadual de Minas Gerais, agraciado com a Menção Honrosa. O feito do talentoso músico inspira e propicia mais visibilidade ao instrumento, chamando a atenção para a música de vertentes tão distintas que ele brilhantemente e com profundidade trata na Tese.

No trabalho todo, vê-se o extremo cuidado em formular métodos para a abordagem e para os procedimentos, que claramente demonstrassem as transversalidades do Violão e Percussão, baseando-se em um extenso repertório violonístico entre Música Contemporânea e Fingerstyle, utilizando o termo “recursos percussivos”, estudado com profundidade, para melhor representar a questão na Tese.

É de se destacar ainda a responsabilidade que Stanley Levi chamou para si ao evidenciar a lacuna de métodos que se preocupassem em definir e instruir o violão com toques percussivos, e este trabalho hercúleo aflorou seu lado artístico em sintonia com o pedagógico, promovendo a incrível organização de um corpus de dezenas de obras examinadas, em um esforço mental de organização–expressão de meios, poucas vezes visto. 

Certamente seus intentos de aplicabilidade e integração desses recursos percussivos à prática do instrumento ressoarão no mundo musical do violão no Brasil e exterior. Stanley Levi realizou um trabalho histórico.

 


Sérgio Ribeiro apresenta o brilho de Marcos Alan, uma estrela do violão brasileiro.

O violonista Sérgio Ribeiro, docente do Bacharelado e da Licenciatura em Música do Departamento de Artes da UFMT (Cuiabá-Mato Grosso), finalizou recentemente (agosto de 2021) sua Tese de Doutorado na UFRJ, a qual aborda Marcos Alan – sua trajetória, o pendor pelo Novo e, mais que tudo, a Tese foi um meticuloso trabalho de verificação dos processos composicionais de Alan.

Por muito tempo o nome de Alan recebeu a aura da genialidade, mas só  agora com os procedimentos analíticos de Ribeiro passa a se consubstanciar, eloquentemente, sua enorme precocidade de escolhas e  sua singularidade poética raramente vista.

Alan vive no auge do período experimental brasileiro e logo quis se associar a isso, consumindo com vivacidade as informações mais relevantes, entrando em contato com grandes nomes da composição e do violão, trazendo para seu cotidiano de jovem artista tanto a atuação violonística quanto o estudo da composição.

Interessante é perceber a contribuição de Alan pelo alargamento e mistura de meios por dentro de suas composições, e Sérgio Ribeiro demonstra habilmente em suas análises ora a aproximação ora o afastamento de um idiomatismo do violão, cujo apego como critério nem sempre favorece o instrumento, como normalmente se pensa.

Marcos Alan agora tem um trabalho à altura de sua reputação e Sérgio Ribeiro sem dúvida sai desta empreitada com um perfil de artista-pesquisador do mais alto nível.

 

Seguem os Resumos das Teses:

 

FERNANDES, Stanley Levi Nazareno. Percussive Resources of the classical guitar. Recursos percussivos do violão clássico. Tese de Doutorado - Escola de Música - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2020. Orientador: Fernando de Oliveira Rocha, 404 folhas.

Para melhor compreender o potencial percussivo do par violão-violonista, esta pesquisa se propõe a analisar a literatura teórica e artística pertinente e, paralelamente, engajar-se em prática artística a isso associada. Para isso, foi desenvolvido um modelo teórico que consiste em uma rede de conceitos, um código de identificação e classificação de ocorrências percussivas e outras ferramentas analíticas – o modelo AGE. Tal modelo, cujo operador principal é o conceito de recursos percussivos (RP), teve seus alicerces plantados em análises preliminares de obras com percussão e no estudo de métodos e outras obras teóricas e tornou possível uma análise efetiva de amostras maiores do repertório. Com ele, uma amostra de 20 obras de música contemporânea para violão (CG) e fingerstyle moderno (FG) – dez obras de cada - foi analisada, o que possibilitou um diagnóstico mais amplo das práticas de violão percussivo. Conjuntamente, a literatura acadêmica, métodos e outros materiais didáticos foram criticamente revisados. De forma vinculada a esta frente analítica, foi realizada prática artística com o objetivo de criar produtos musicais com violão percussivo. Conquanto seus objetivos fossem em primeiro lugar artísticos, a prática artística não deixou de informar a análise com novos dados e ideias e se beneficiou da aplicação dos resultados daquela. A análise mostrou diversas prevalências no uso de partes do violão, do corpo e da interação entre estes, além de fornecer um inventário abrangente dos recursos percussivos e suas características. Estes resultados propiciaram, através de sucessivos processos de agrupamento de natureza estatística e técnico-violonística, explicar aproximadamente 65% das ocorrências percussivas encontradas – 228 recursos percussivos diferentes - com apenas oito elementos, o grupo principal. Já os resultados artísticos consistiram em diversas performances, gravações, composições (autorais e em colaboração), adaptações e transcrições, além de novas possibilidades percussivas, ideias teóricas e no aprimoramento pessoal dos pesquisadores envolvidos. Por fim, reunindo os resultados de ambas as frentes de pesquisa, foi possível oferecer uma descrição do violão percussivo em seus vários aspectos: as oito entidades do grupo principal, juntamente com várias outras famílias de recursos percussivos (criados pela pesquisa artística, extrapolados a partir do Código ou selecionados subjetivamente por seu interesse musical), posturas corporais, cuidados com o corpo e com o violão, diversos elementos da técnica, notação e repertório. A pesquisa aponta para novos trabalhos com o banco de dados criado, o desenvolvimento de material didático baseado em evidências e algumas direções para ulterior investigação artística. Além disso, ela tem várias outras possíveis aplicações imediatas, como informar currículos acadêmicos, ser usada como ferramenta para Teoria e Análise musicais e Musicologia ou diretamente na prática artística.

 

RIBEIRO, Sérgio Vitor de Souza. Estrutura e processos composicionais na obra de Marcos Alan. Tese de Doutorado - Escola de Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021. Orientador: Pauxy Gentil-Nunes. 248 folhas.

Desde  a  década  de  1970,  histórias  sobre  a  virtuosidade  prematura  do  violonista Marcos  Alan  (1956-1973)  permanecem  no  inconsciente  coletivo  de  violonistas  do  Rio  de Janeiro.  Apesar  do  importante  projeto  de  divulgação  e  análise  documental  empreitado  por  sua irmã,  Graça  Alan,  os  recursos  poéticos  constituintes  de  sua  obra  permanecem  relativamente desconhecidos.  O  objetivo  do  presente  trabalho  é  propiciar  uma  melhor  compreensão  dos processos  poéticos  encontrados  na  obra  para  violão  de  Marcos  Alan  e  refletir  sobre  sua contribuição  para  o  repertório  do  instrumento.  Além  de  um  enredo  biográfico  do  compositor, são  apresentadas  análises  estruturais  de  algumas  de  suas  obras,  como  metodologia  para  a resolução  de  questões  focais  do  trabalho.  São  levantadas  as  principais  tendências  estilísticas  da poética  de  Marcos  Alan  e  as  características  idiomáticas  de  sua  obra  para  violão.  São  analisadas as  seguintes  obras:  a)  Sonatina,  para  dois  violões,  na  qual  se  observa  a  manipulação  de estruturas  cordais,  abordadas  aqui  como  matrizes  bidimensionais  de  Robert  Morris,  em intrincado  processo  de  desenvolvimento  por  derivação  serial;  b)  Prelúdio  e  Fuga,  para  violão solo,  no  qual  é  observado  um  processo  de  desenvolvimento  temático  econômico  e  progressivo, iluminado  pelo  Modelo  de  Análise  Derivativa  de  Carlos  Almada  e  Desirée  Mayr;  e  c)  Trio  N 1º,  para  flauta,  violão  e  violoncelo,  analisada  à  luz  do  particionamento  por  eventos  de  Pauxy Gentil-Nunes,  que  possibilita  a  visualização  da  dialética  dos  eventos  na  obra,  apontando  uma abertura  de  horizonte  na  poética  do  compositor.  A  abordagem  analítica  da  obra  pós-tonal  de Marcos  Alan  constitui  proposta  inédita.  O  conjunto  da  obra  para  violão  solo  do  compositor ainda  é  analisado  pelo  prisma  da  Análise  de  Textura  Violonística,  de  Bernardo  Ramos,  que expõe  a  predominância  de  propostas  texturais  polifônicas  nas  peças,  em  contraste  ao  tratamento homofônico recorrentemente  encontrado  no  repertório  do  instrumento.  Conclui-se  que  a  poética de  Marcos  Alan  apresenta  tendências  explícitas  a  múltiplos  aspectos,  que  incluem:  a)  a linguagem  da  tradição;  b)  o  serialismo  com  autorreferencialidade  constante  de  materiais intervalares  entre  obras  distintas;  c)  o  indeterminismo  e  a  expansão  técnico-instrumental, assumindo  um  pioneirismo  histórico  no  repertório  brasileiro  para  violão.