Teses brasileiras recentes destacam o violão na música contemporânea
Stanley Levi (UEMG/UFMG) recebe Menção Honrosa da Capes e Sérgio Ribeiro (UFMT/UFRJ) reluz o material de Marcos Alan. Ambos os trabalhos são plenos de metodologia científica e de beleza visual, com farto material sonoro-musical para ser apreciado. É a universidade pública pedindo passagem e dando seu recado.
Stanley Levi, em um trabalho hercúleo, estuda o violão percussivo.
No início de setembro de 2021 a CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - anunciou os vencedores do Prêmio Capes de Teses, sendo o violonista Stanley Levi, docente da Universidade Estadual de Minas Gerais, agraciado com a Menção Honrosa. O feito do talentoso músico inspira e propicia mais visibilidade ao instrumento, chamando a atenção para a música de vertentes tão distintas que ele brilhantemente e com profundidade trata na Tese.
No trabalho todo, vê-se o extremo cuidado em formular métodos para a abordagem e para os procedimentos, que claramente demonstrassem as transversalidades do Violão e Percussão, baseando-se em um extenso repertório violonístico entre Música Contemporânea e Fingerstyle, utilizando o termo “recursos percussivos”, estudado com profundidade, para melhor representar a questão na Tese.
É de se destacar ainda a responsabilidade que Stanley Levi chamou para si ao evidenciar a lacuna de métodos que se preocupassem em definir e instruir o violão com toques percussivos, e este trabalho hercúleo aflorou seu lado artístico em sintonia com o pedagógico, promovendo a incrível organização de um corpus de dezenas de obras examinadas, em um esforço mental de organização–expressão de meios, poucas vezes visto.
Certamente seus intentos de aplicabilidade e integração desses recursos percussivos à prática do instrumento ressoarão no mundo musical do violão no Brasil e exterior. Stanley Levi realizou um trabalho histórico.
Sérgio Ribeiro apresenta o brilho de Marcos Alan, uma estrela do violão brasileiro.
O violonista Sérgio Ribeiro, docente do Bacharelado e da Licenciatura em Música do Departamento de Artes da UFMT (Cuiabá-Mato Grosso), finalizou recentemente (agosto de 2021) sua Tese de Doutorado na UFRJ, a qual aborda Marcos Alan – sua trajetória, o pendor pelo Novo e, mais que tudo, a Tese foi um meticuloso trabalho de verificação dos processos composicionais de Alan.
Por muito tempo o nome de Alan recebeu a aura da genialidade, mas só agora com os procedimentos analíticos de Ribeiro passa a se consubstanciar, eloquentemente, sua enorme precocidade de escolhas e sua singularidade poética raramente vista.
Alan vive no auge do período experimental brasileiro e logo quis se associar a isso, consumindo com vivacidade as informações mais relevantes, entrando em contato com grandes nomes da composição e do violão, trazendo para seu cotidiano de jovem artista tanto a atuação violonística quanto o estudo da composição.
Interessante é perceber a contribuição de Alan pelo alargamento e mistura de meios por dentro de suas composições, e Sérgio Ribeiro demonstra habilmente em suas análises ora a aproximação ora o afastamento de um idiomatismo do violão, cujo apego como critério nem sempre favorece o instrumento, como normalmente se pensa.
Marcos Alan agora tem um trabalho à altura de sua reputação e Sérgio Ribeiro sem dúvida sai desta empreitada com um perfil de artista-pesquisador do mais alto nível.
Seguem os Resumos das Teses:
FERNANDES, Stanley Levi Nazareno. Percussive Resources of the classical guitar. Recursos percussivos do violão clássico. Tese de Doutorado - Escola de Música - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2020. Orientador: Fernando de Oliveira Rocha, 404 folhas.
Para melhor compreender o potencial percussivo do par violão-violonista, esta pesquisa se propõe a analisar a literatura teórica e artística pertinente e, paralelamente, engajar-se em prática artística a isso associada. Para isso, foi desenvolvido um modelo teórico que consiste em uma rede de conceitos, um código de identificação e classificação de ocorrências percussivas e outras ferramentas analíticas – o modelo AGE. Tal modelo, cujo operador principal é o conceito de recursos percussivos (RP), teve seus alicerces plantados em análises preliminares de obras com percussão e no estudo de métodos e outras obras teóricas e tornou possível uma análise efetiva de amostras maiores do repertório. Com ele, uma amostra de 20 obras de música contemporânea para violão (CG) e fingerstyle moderno (FG) – dez obras de cada - foi analisada, o que possibilitou um diagnóstico mais amplo das práticas de violão percussivo. Conjuntamente, a literatura acadêmica, métodos e outros materiais didáticos foram criticamente revisados. De forma vinculada a esta frente analítica, foi realizada prática artística com o objetivo de criar produtos musicais com violão percussivo. Conquanto seus objetivos fossem em primeiro lugar artísticos, a prática artística não deixou de informar a análise com novos dados e ideias e se beneficiou da aplicação dos resultados daquela. A análise mostrou diversas prevalências no uso de partes do violão, do corpo e da interação entre estes, além de fornecer um inventário abrangente dos recursos percussivos e suas características. Estes resultados propiciaram, através de sucessivos processos de agrupamento de natureza estatística e técnico-violonística, explicar aproximadamente 65% das ocorrências percussivas encontradas – 228 recursos percussivos diferentes - com apenas oito elementos, o grupo principal. Já os resultados artísticos consistiram em diversas performances, gravações, composições (autorais e em colaboração), adaptações e transcrições, além de novas possibilidades percussivas, ideias teóricas e no aprimoramento pessoal dos pesquisadores envolvidos. Por fim, reunindo os resultados de ambas as frentes de pesquisa, foi possível oferecer uma descrição do violão percussivo em seus vários aspectos: as oito entidades do grupo principal, juntamente com várias outras famílias de recursos percussivos (criados pela pesquisa artística, extrapolados a partir do Código ou selecionados subjetivamente por seu interesse musical), posturas corporais, cuidados com o corpo e com o violão, diversos elementos da técnica, notação e repertório. A pesquisa aponta para novos trabalhos com o banco de dados criado, o desenvolvimento de material didático baseado em evidências e algumas direções para ulterior investigação artística. Além disso, ela tem várias outras possíveis aplicações imediatas, como informar currículos acadêmicos, ser usada como ferramenta para Teoria e Análise musicais e Musicologia ou diretamente na prática artística.
RIBEIRO, Sérgio Vitor de Souza. Estrutura e processos composicionais na obra de Marcos Alan. Tese de Doutorado - Escola de Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021. Orientador: Pauxy Gentil-Nunes. 248 folhas.
Desde a década de 1970, histórias sobre a virtuosidade prematura do violonista Marcos Alan (1956-1973) permanecem no inconsciente coletivo de violonistas do Rio de Janeiro. Apesar do importante projeto de divulgação e análise documental empreitado por sua irmã, Graça Alan, os recursos poéticos constituintes de sua obra permanecem relativamente desconhecidos. O objetivo do presente trabalho é propiciar uma melhor compreensão dos processos poéticos encontrados na obra para violão de Marcos Alan e refletir sobre sua contribuição para o repertório do instrumento. Além de um enredo biográfico do compositor, são apresentadas análises estruturais de algumas de suas obras, como metodologia para a resolução de questões focais do trabalho. São levantadas as principais tendências estilísticas da poética de Marcos Alan e as características idiomáticas de sua obra para violão. São analisadas as seguintes obras: a) Sonatina, para dois violões, na qual se observa a manipulação de estruturas cordais, abordadas aqui como matrizes bidimensionais de Robert Morris, em intrincado processo de desenvolvimento por derivação serial; b) Prelúdio e Fuga, para violão solo, no qual é observado um processo de desenvolvimento temático econômico e progressivo, iluminado pelo Modelo de Análise Derivativa de Carlos Almada e Desirée Mayr; e c) Trio N 1º, para flauta, violão e violoncelo, analisada à luz do particionamento por eventos de Pauxy Gentil-Nunes, que possibilita a visualização da dialética dos eventos na obra, apontando uma abertura de horizonte na poética do compositor. A abordagem analítica da obra pós-tonal de Marcos Alan constitui proposta inédita. O conjunto da obra para violão solo do compositor ainda é analisado pelo prisma da Análise de Textura Violonística, de Bernardo Ramos, que expõe a predominância de propostas texturais polifônicas nas peças, em contraste ao tratamento homofônico recorrentemente encontrado no repertório do instrumento. Conclui-se que a poética de Marcos Alan apresenta tendências explícitas a múltiplos aspectos, que incluem: a) a linguagem da tradição; b) o serialismo com autorreferencialidade constante de materiais intervalares entre obras distintas; c) o indeterminismo e a expansão técnico-instrumental, assumindo um pioneirismo histórico no repertório brasileiro para violão.