quinta-feira, 4 de agosto de 2016

2ª parte - Especial - Centenário de Abel Carlevaro (1916-2001)


Grata contribuição de Alfredo Escande – discípulo
e biógrafo de Abel Carlevaro
(breve entrevista)

(TP) - A vigência de uma Escola de Abel Carlevaro já se encontra estabelecida e materializada, com o ideal da técnica a favor da música, em termos gerais, mas - mais especificamente - você tem notícia de algum escrito de Abel Carlevaro dedicado diretamente às chamadas "técnicas estendidas"? Ou você presenciou alguma aplicação de técnica dirigida, publicada ou não, mas destacada ao repertório contemporâneo, experimental?

(AE) Carlevaro tinha entre seus planos escrever um trabalho sobre os recursos técnicos não-tradicionais, o que agora costuma ser chamado de "técnica estendida". Certa vez, inclusive, começamos a escrever alguns esboços, mas outras coisas mais urgentes desviaram-no desse objetivo e não chegou a cristaliza-lo. Ele estava sempre explorando possibilidades sonoras diferentes, e muitas vezes presenciei  demonstrações suas sobre as mais variadas técnicas (tanto a sós em seu estúdio como durante vários cursos internacionais). Além disso, uma profunda conversa sobre esses assuntos com Maurice Ohana em Paris, em 1974, configurou-se em um trabalho que, em realidade, foi feito a "duas cabeças e quatro mãos", que foi "Estelas" (escrevi a história deste trabalho em conjunto com Ruben Seroussi, e isso faz parte do meu livro sobre Carlevaro).

(TP) Embora tenha já sido admitida a presença de dissonâncias, a criação de obras como Cronomías e outras implica uma mudança de paradigma na maneira de entender / sentir o violão, uma abertura a novos pontos de vista, a partir da escuta tradicional para outra diversa, da técnica já obtida para a estendida.
Como aconteceu com Carlevaro? Teria sido por contato com colegas e obras ou podemos falar de uma espécie de "espírito de época" dos anos 60/70 que o motivou?

(AE) Acho que essas motivações em Carlevaro, são anteriores ao tempo que você menciona: o contato com Villa-Lobos na primeira metade dos anos 40 já começou a lhe “abrir a cabeça", e o mesmo pode ser dito de seu contato com Ohana no final daquela década e com Santórsola nos anos 60, e – o que é fundamental – seu próprio espírito inquieto e de mentalidade aberta a busca e experimentação.

(TP) Admitindo-se uma Escola de Carlevaro, em sentido estrito, as comparações são inevitáveis ​​... Sor, Tarrega, os antigos métodos de tratadistas como Sanz ... e todos com forte ligação com suas próprias composições, ou seja, fazer a "escola" envolve fazer suas peças, executar seus estudos e obras.
Em Carlevaro teríamos de fazer o mesmo? Devemos ir além de seus cadernos de técnica? Assim, embora as comparações sejam de fato imperfeitas, a ideia é: fazer só a sua técnica já esclarece e reduz os problemas, mas fazer a sua escola no total ... técnica, exercícios e - acima de tudo - suas obras, aí sim há o sentido da Escola de Carlevaro, no total?

(AE) Acho que o sentido da escola criada por Carlevaro não pode esgotar-se em seus cadernos de técnica. Não se compreende isso se não se vincular diretamente a uma concepção estética do violão, concebida em termos reais (e facilmente perceptíveis quando se escuta atentamente suas gravações) como uma "pequena orquestra". Os cadernos de técnica são apenas uma ajuda para estabelecer as bases, para adquirir os fundamentos mecânicos que podem conduzir a uma adequada aplicação destes critérios estéticos. Só por eles mesmos, não têm nenhum valor (e podem até resultar negativos: assim ele me disse, quase literalmente, quando falou da sua urgência em escrever seu livro de  teoria: "Na Europa estão usando meus cadernos sem nenhuma ideia de como fazê-lo e para que servem, e isso pode ser um desastre", me disse ele, e concluiu: "Eu tenho que escrever o livro de teoria" e foi então que me pediu ajuda para fazê-lo).

Para realmente entrar na escola de Carlevaro é muito importante estudar e compreender profundamente seus cinco livros de "Técnica Aplicada" (seus "Masterclasses" sobre Sor, Villa-Lobos e Bach, publicados, e outro ainda inédito sobre estudos de Carcassi).

Também é importante estudar e entender a fundo – e compreender seus critérios de uso da mão direita, sua busca por cores, etc. – a música criada por ele, e também analisar profundamente a forma como digitou, arranjou e interpretou outros autores e conseguir 
entender as suas razões para ter feito como fez.


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