segunda-feira, 21 de novembro de 2016

3ª parte - Especial - Centenário de Abel Carlevaro (1916-2001)... Cronomias I, Estudios 2 e 5


Iniciativas para comemorar o Centenário de Abel Carlevaro estão contribuindo para a referência de seu trabalho também como compositor (veja abaixo em Mais). 

Comparando sua produção, os Prelúdios Americanos são os mais conhecidos e apresentados, enquanto que obras como Cronomias I e os Estudios homenaje a H. Villa-Lobos têm menor inserção no repertório de concerto. Segue agora minha leitura de Cronomias (em parte abordada aqui: http://musicacontemporaneaparaviolao.blogspot.com.br/2016/07/especial-centenario-de-abel-carlevaro_28.html ) e Estudios 2 e 5.



Cronomias I (1971) traz em seu título uma ideia de observar o Tempo (Cronos). Está dedicada ao grande violonista argentino Miguel Angel Girollet (1947-1996). Trata-se de uma sonata em três movimentos, Poco libero, Intermezzo e Finale, partindo de uma série dodecafônica em temas subsequentes que são relembrados nos três movimentos, como flashes.

No primeiro movimento a série é apresentada (com uma nota de altura indeterminada, percutida na ponte – muito criativo); transposições são feitas e a série reaparece por vezes, transmutada em novas ordenações, fixando-se em um motivo de 4 notas, de mesma relação intervalar, em reaparições. Isso é importante notar porque no Intermezzo essa apresentação em 4 notas será retomada; enlaces temáticos conformam uma sonata, histórica e morfologicamente falando.

Há alterações  significativas no tempo, que devem ser bem destacadas, principalmente levando-se em conta a atenção especial que Carlevaro deu a isso, desde o título até sua anotação precisa de andamentos (=). Algumas posições fixas (acordes) e padrões de digitação de mão esquerda são apresentados aqui e reexpostos à frente, noutros movimentos.

Intermezzo, o segundo movimento, é o mais experimental; Carlevaro escolhe o movimento lento da sonata como o mais discursivo; sonoridades e muitas possibilidades tímbricas estão orientadas pela Bula e vão demonstrando a riqueza do violão nessa área, otimizada pelo trabalho de um compositor engajado com a música de seu tempo. A célula geradora (após a Introdução) já se vislumbra no primeiro movimento, ela parte dos intervalos iniciais da série, das 4 notas que se fixam como motivo, simetricamente.

O terceiro movimento tem um caráter de dança, cuja configuração rítmica surge também do primeiro movimento, de hemíolas agora mais presentes. O tratamento dado à série continua variando, inclusive em um trabalho nos baixos, porém é mais envolto em uma padrão de digitação da mão esquerda que caminha pelo braço do violão por movimentos simétricos – ideias musicais a partir de padrões que se ligam à técnica de Carlevaro.

Ideias do segundo movimento são reelaboradas, como a da apojatura, agora metricamente disposta em uma quintina, e o glissando. Além disso, um ponteio, com a primeira e sexta cordas, já surgido no segundo movimento, dispõe a série de 12 sons. Antes da retomada do Primo tempo, Carlevaro apresenta duas microcadenzas de 12 sons (uma delas em timbre de pizzicato) em tempo libero repousado em fermatas. Como final, a ideia que introduz o Intermezzo é reelaborada simetricamente.

Cronomias I é uma obra finamente arquitetada que atinge com êxito as possibilidades da essência serial, com o desvio criativo que a Poética impõe – não se trata tanto ou mais de compor em um Dodecafonismo estrito, pois aqui o Timbre está bem atuante. A ideia de Tema e Variações e de diferencias, bem como a polifonia implícita e de um motivo – como o pioneirismo do B A C H motiv, de quadrados mágicos, palíndromos... historicamente estão no germe do Dodecafonismo e podem ser sentidos nessa sonata. Além disso, é inerente o uso da técnica carlevariana na conformação de tais variantes que desenvolvem os temas iniciais. Outrossim, a marca da América Latina está presente na rítmica bem como seu lugar na Música Contemporânea.

O Estudio 2 (c.1970) é dirigido para o movimento transversal, dentro das concepções técnicas da escola de Carlevaro. Faz parte da série de Cinco Estudos em homenagem a Villa-Lobos e está dedicado ao violonista brasileiro Marcos Alan (em parte abordado aqui:
http://musicacontemporaneaparaviolao.blogspot.com.br/2016/09/parte-1-musica-contemporanea-para_18.html ).

Essa obra possui uma rítmica de origem afro, nos baixos em ..muito difundida em países latino-americanos ­– sabendo da força que o Candombe tem no Uruguai, é premente que tal informação se relacione à obra (como em Tamborilles). Reúne-se a isso um material atonal, dimensionado pela fórmula dos dedos 1 - 2 - 3 - 4 para o movimento transversal.

A peça segue uma forma A B A; a fórmula de compasso alterna 24 e 34 , sendo a primeira seção um ostinato de semicolcheias e da rítmica 3 3 2. O contraste surge na segunda seção, Poco meno, com alteração da linha do ritmo, agora apresentada por outra conformação que será repetida ao longo dessa parte; a nota pontuada e a síncope estão sugerindo outra possibilidade de rítmica latino-americana.

O Estudio 5 (c.1970) integra a série em tributo a Villa-Lobos e está dedicado à renomada violonista argentina Irma Costanzo (1937). A intenção técnica é trabalhar os Acordes Repetidos – como Villa-Lobos fez na década de 1920 nos Estudos 4, 6 e 12 e na parte A do Estudo 10.   

Esse estudo de Carlevaro possui 4 padrões de acordes fixos para realizar a melodia por paralelismo:
- acorde em cordas soltas;
- acorde em posição fixa simetricamente alternados em cordas (6) (5) (4) (3) e (5) (4) (3) (2);
- acorde com pestana, também trabalhados de forma alternada nas cordas;
- acorde com outro desenho nas cordas (4) (3) (2) (1)

Assim como em várias obras ao longo da produção villalobiana, como Estudo 4, 10..., Preludio 1 (1940), além do Concerto (1951), esse Estudo 5 de Carlevaro alterna cordas soltas com acordes fixos, fortalecendo a ideia de padrões e digitações ligadas às possibilidades físicas do violão para criar a obra.

A peça segue uma forma A B A Coda, cuja primeira seção introduz a ideia de melodia de acordes com acentos indicados pelo compositor e repouso em acordes (suave), desenvolvendo para fraseados melódicos mais amplos ainda apoiados por acentos. Já aparece a alternância com cordas soltas simultaneamente aos acordes fixos.

Na segunda ideia musical, há uma rítmica clara do tipo 3 3 2 no baixo em destaque (il basso in relievo) que revela a melodia com um ostinato em acompanhamento de acordes repetidos nas cordas (3) (2) (1). Esse momento retoma a rítmica de matriz africana e latino-americana, pode estar lembrando o uruguaio Candombe, além de flashes de sonoridades de Villa-Lobos, o homenageado, no fraseado p ao suave.

Na sequência (a tempo), há alternância entre acordes fixos e cordas soltas e um desenho melódico  que favorece a fixação da mão direita em P i m a, movendo-se pelas seis cordas.

A parte A é reexposta e a Coda possui mais fortemente uma referência ao Estudo 10 de Villa-Lobos, modulando o tema, e os acordes finais em rasgueos reforçam a ideia de latinidade e a evocação a Villa-Lobos, no final aproximado aos Estudos 10 e 12.

Tal qual Heitor Villa-Lobos, Abel Carlevaro reúne ancestralidade e sonoridades abertas ao Novo nesses Estudos e em Cronomias I. Reconhecido como grande didata e intérprete, que este ano de seu Centenário proporcione de agora em diante sua merecida difusão como compositor.


 Mais:
2016 - Emisora del Sur - programa En la Tarde del Sur
Especial Centenário de Abel Carlevaro, coordenado por Numa Moraes e Alfredo Escande
https://www.youtube.com/watch?v=4YicmkYp1UI

Dia 03 de dezembro, 15h - Evento no Departamento de Música da Universidade de São Paulo, coordenado pelo Prof. Dr. Edelton Gloeden.

De 3 a 8 de outubro - Evento da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Campo Grande, coordenado pelo Prof. Dr. Marcelo Fernandes:
https://www.ufms.br/iii-festival-internacional-de-violao-de-campo-grande-sera-na-proxima-semana/

Leitura:
Tese do Prof. Dr. Celso Delneri
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27158/tde-13112015-101451/pt-br.php


Partituras editadas pela Barry Editorial - Argentina. À venda no Brasil.



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