segunda-feira, 17 de abril de 2017

Suite 1 - Antigua, de Brouwer: “retrato do artista quando jovem”.


...comecei  a compor a partir do instrumento, isto é, comecei sendo violonista
Leo Brouwer*


Suite 1 - Antigua

Leo Brouwer (1939-) compõe a Suite n.º 1 em 1955, denominada por ele “Antigua”, por seguir formas da música antiga em seus quatro movimentos. É uma obra por algum tempo sem registro em seu Catálogo e ainda pouco executada e gravada. Mesmo apresentando formas tradicionais, mostra em essência um Brouwer já afeito ao moderno – aqui ele estava com apenas 16 anos de idade.

Antecedentes – O próprio Brouwer afirma em relatos de estudiosos de sua obra (como Paul Century e Diane Gordon) que no início de sua carreira almejava ter em mãos um repertório de violão mais ousado, com obras como as dos grandes nomes da história da música moderna – Debussy, de Falla**, Bartók, Stravinsky – suas primeiras composições se enlaçariam a esses referenciais.

O violonista inglês Graham Devine gravou a Suite 1 (Naxos, volume 4 da obra de Brouwer) e reitera no encarte do CD esse intento do jovem compositor: “Com esta composição, ele embarcou em sua viagem musical de preencher lacunas que percebia na literatura do violão. Escrita na forma de uma suíte barroca, a música se aproxima do neoclassicismo de Bartók e Stravinsky”.

No livro de Isabelle Hernandez*** (2000, p. 13), o violonista Jesus Ortega (1935-) testemunha essa fase de seu amigo Brouwer. Comentando sobre essa Suite, Ortega rememora a seriedade de Brouwer em compor tal obra, e sua intenção de fazê-la no estilo antigo (menciona uma suposta  Allemande). Nesse período Leo Brouwer fez duo com Ortega, inclusive faziam análises, arranjos, baixos contínuos e se apresentavam junto a outros instrumentos.

O início da sua atividade na escrita para violão se deu ao fazer tais arranjos. Interessante que foi seu professor de violão, Isaac Nicola, quem lhe deu apoio para compor. O hábito de arranjar e estudar processos composicionais, de autores que tinha ao alcance, contribuiu para assimilar estruturas, materiais e formas musicais por dentro da composição, e não unicamente como o intérprete que era.

A Suite 1   apresentada em quatro movimentos, segue o padrão de algumas suítes que partem de um prelúdio e sua fuga, de uma obra central de andamento lento como a sarabanda e o final mais movimentado com a giga. A tonalidade indica ser um Dó maior, atravessado por dissonâncias que distendem a harmonia.

Preludio escrito a duas vozes, uma delas em ostinato na região grave. A seção A tem um ritornelo que finaliza de forma diferente e se encaminha para uma seção B modulante – em Lá b Maior, com muitas dissonâncias de 2.as menores e escalas que fazem a ponte para A’, com uma codeta em cadência completa e, ironicamente, um final com acorde dissonante. O Preludio lembra uma overture de sonoridades beirando os autores já citados, mas também algo de Prokofiev, principalmente pelo ostinato quase marcial.

Fuga – A composição continua a duas vozes e em Dó Maior, sendo o sujeito da fuga gerado a partir da voz da região grave proveniente do  Preludio. A Fuga se desenvolve e modula, caindo novamente para o Lá b Maior e o jogo de dissonâncias é reapresentado como no Prelúdio, com motivos em 2.as menores; há retomada da ideia inicial também com uma codeta, mas diferentemente do Preludio, a finalização aqui é tonal.

Sarabanda – De todos os movimentos, esse é o que possui um discurso mais próximo ao modelo original. Escrita a duas vozes, com muitos ornamentos e dinâmica bem trabalhada, tem um funcionamento polifônico melhor acabado e momentos de contraponto imitativo. A configuração formal, no entanto, contrasta com a sonoridade, que é a mais atonal dos quatro movimentos.(video da Sarabanda:  https://www.youtube.com/watch?v=RzWz9zS8u6s )

Giga: possui o andamento formal da giga de tempo composto; a célula motívica inicial é aproximada à Gigue da Partita para alaúde BWV 997 de J.S. Bach****. O processo é bem modulatório no início da Giga, o campo tonal de Dó Maior se relaciona agora mais com a dominante Sol Maior. A seção inicial é reprisada, porém com uma terminação diferente, caminhando para uma seção de acordes dissonantes em posição fixa e tempo ostinato. Continua modulando e entra na seção B da obra, un poco menos (poco rubato) mais aproximada à subdominante Fá Maior – o caráter da obra muda nesse trecho, quase uma barcarola. Essa seção contrastante se reorienta para o Tempo I que reapresenta a seção A e modula mais uma vez para finalizar com uma codeta com cadência perfeita, em um sonoro Dó Maior.

Retrato do jovem artista - Confirmando o que já opinaram, percebemos aproximações com Bartók e Stravinsky em duas frentes na Suite 1: - pela preocupação de Brouwer em experimentar a harmonia com extensões modernas, com certos momentos de atonalidade; - uso de tempos ostinatos, não só por aqueles autores apontados, mas também Prokofiev e Milhaud. A movimentação modulatória quase na obra toda demonstra uma vontade de experimentar os conhecimentos teóricos adicionados aos meios de intérprete/arranjador (esse é o ano em que Brouwer se forma no Conservatório Peyrellade e faz seu début como solista), por meio de aberturas e posterior retomada da ideia que gerou o movimento, ou seja, possui conceitos bem determinados de tensão/ repouso e tema/desenvolvimento/retomada de tema. Ao mesmo tempo, experimenta as dissonâncias – esse substrato que aos poucos se torna sinal de sua jovem poética.

Ostinato na região grave. Frescor de uma primeira obra materializada. Prelúdio da Suite 1.
Em contexto tonal, surgem dissonâncias. Uma imagem geradora que permanecerá na poética do jovem autor. Prelúdio da Suite 1.






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* WISTUBA, Vladimir. La música de Leo Brouwer. Clave, nº 14, La Habana, 1989. 
** Manuel de Falla não se alinha às mesmas tendências que os criadores citados, mas é um dos nomes admirados por Brouwer.
*** HERNANDEZ, Isabelle. Leo Brouwer. La Habana: Editora Musical de Cuba, 2000.
**** Fizemos algumas associações simples com a obra bachiana em trechos da Suite 1, somente observado.

Mais:


 Suite 1 publicada pela Ediciones Espiral Eterna

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