O multifacetado Daniel Murray - Foto: Gal Opido |
Na discussão de hoje, falo com Daniel Murray (São Paulo, 1981-), violonista multifacetado, que possui uma dezena de trabalhos fonográficos, de solo à variada câmara e...à máquina – Murray já trabalhou a questão sonora principalmente por meio da produção dos CD’s Universos sonoros para violão e Tape e Universos em Expansão. Mestre em Música pela Unicamp, esse talentoso e premiado violonista é também compositor, apresentando-se no Brasil e regularmente no exterior. Artista moderno, Murray figura em plataformas digitais como MIDEM Festival e Classical:Next, está em variadas frentes na Internet e mantém uma pulsante carreira solo em paralelo a trabalhos com o consagrado Trio Opus 12 (com Paulo Porto Alegre e Christian Dozza); Chico Saraiva, no Duo Saraiva-Murray e a continuidade do foco em música brasileira com Michala Petri (flauta doce) e Marilyn Masur (percussão). Murray tem cruzado caminhos com uma sofisticada galeria de nomes do meio musical e seu esforço de produção artística se nutre do olhar positivo e determinado sobre o presente e o futuro da música instrumental e de concerto.
Teresinha Prada (TP) Daniel, qual a importância do Timbre em sua técnica? Em seus estudos/ensaios de obras, você costuma passar pelo Timbre?
Daniel
Murray (DM) Para mim a busca da sonoridade aparece no primeiro contato com o
material. É o que define digitações por exemplo. Acho que a digitação pode ser
considerada um dos aspectos fundamentais para escolha de sonoridades. Nesse
sentido, realizar uma partitura já digitada por outro intérprete significa
vestir uma “roupa que serviu para o outro”. Acho interessante “vestir essa
roupa” à medida que nos dá pistas para entender como seria a interpretação do
outro. No entanto, talvez nos distancie de uma interpretação pessoal que seria
a compreensão musical expressa pelo desdobrar da sonoridade ou
timbre (a somatória de diversos elementos), e isso
se revela ao longo do tempo. Acho que o andamento escolhido influencia em como
percebemos o timbre – como articulamos os ritmos e onde tocamos as notas,
considerando que no violão existem diversas possibilidades. Quando começo a
estudar uma obra, passo por tudo isso. Acho muito bom se permitir experimentar
diversas possibilidades antes de ter algo muito definido. Gosto de ouvir todas
as gravações disponíveis. Para citar um exemplo: Numa obra como a Sequenza XI
de Luciano Berio, é interessante perceber as diferenças do tempo total de cada
interpretação e como as versões de colorido mais violento são mais curtas que
as mais contemplativas – fruto de escolhas feitas no início da peça, onde se encontra o material que vai ser
trabalhado. A leitura desse material e a compreensão do mesmo através do som e
da escolha de timbre influenciam a duração total dessa interpretação, que é o
desenrolar da sonoridade. Tudo está conectado.
(TP)
Crê
que estudos de técnica estendida entrarão (ou já entraram?) para o rol de
técnicas dos violonistas?
(DM) Acredito
que é uma questão de tempo para que surjam mais métodos, peças fáceis, novos “estudos simples” que abordem questões musicais e
técnicas não tão frequentadas pelos jovens estudantes de “violão clássico” ou
“erudito”. Acho que está em nossas mãos criar esse tipo de material. Acredito
que as chamadas “técnicas estendidas” entrarão no rol de técnicas praticadas
por todos; aquelas que melhor funcionarem ou que possam ser aplicadas não só a
diversas composições e estudos como à interpretação de outras peças do
repertório que eventualmente não previam tais técnicas. Até pouco tempo, tocar
com o polegar da M.E. (mão esquerda) digitando o braço não era comum para
violonistas (dado que para guitarristas é algo mais recorrente, estou me
referindo ao polegar por cima do braço para tocar baixos enquanto os outros dedos da M.E. se ocupam de alguma melodia ou
acorde). Encontramos esse tipo de técnica como exceção e quase opcional em um Choro da Saudade de Agustín Barrios (dependendo do tamanho da mão ou violão)
e algum exemplo parecido com o que se faz na guitarra
(mencionado no parênteses acima) em violonistas/compositores do período
Clássico (levando em conta também o tamanho menor da guitarra “romântica”). Não me lembro de encontrar em tablaturas da
Renascença algo similar, mas não posso afirmar. Então, hoje temos as maravilhas
realizadas com o polegar da M.E. por Guinga e Marcos Tardelli. Se todos
começarmos a usar aqui e ali pode ser que tenhamos um dedo 5 logo mais num
método como “Ciranda das Cordas”. Mas
está realmente em nossas mãos.
(TP) O
que você pode nos dizer a respeito de associações, julgamento de valor de
alguns sons, em relação a público(s) ouvinte(s)? Você que já tocou esse
repertório inúmeras vezes e lugares – a estranheza (da recepção) persiste?
Percebeu mudanças?
(DM) Em uma
apresentação tudo depende da sua relação com o público. Não se espera escutar
uma sirene dentro de uma
sala de concerto – e este é
um feito incrível de Varèse. É bom que seja assim. Essa é a
ideia. Alguns vídeos que tenho compartilhado nas redes sociais recebem
comentários incrivelmente violentos de haters (que acredito serem pessoas desagradáveis que não
tem mais o que fazer). Tão violentos que não poderia reproduzir. E há quem diga
que hoje em dia não é mais possível receber uma vaia como foi da estreia da Sagração. Não desanime! Se tudo der certo, chegaremos lá!
Haters à parte, prefiro a reação (de desagrado, surpresa ou
estranheza) do que a monotonia (de quem já parece saber de tudo que vai
acontecer). A música sai ganhando. Tocar ou trabalhar música contemporânea com
crianças é uma experiência maravilhosa. Tive a oportunidade de realizar 12 workshops
através do Proac [edital de cultura do governo paulista] com a peça Happy days II de Arthur Kampela. Eram de 50 a 150 crianças de escolas
públicas em diversos estados. Se estabelecer uma boa relação tudo vira um
grande jogo lúdico. A tecnologia por exemplo é algo extremamente atraente. Após
a apresentação da peça, perguntava a eles “o que acharam?” depois de um certo
momento de timidez vários tiravam a melhor palavra de seu vocabulário da
cartola. Volta e meia um que não gostava tinha coragem de falar. O comentário
era sempre o mesmo “cadê o ritmo que eu tava acostumado?” e nunca de incômodo com as asperezas das
sonoridades propostas.
(TP) Você tem sido dedicatário e/ou estreante de muitas obras, como
sente que a música do século XXI para violão se estabelecerá? O que vem por aí?
Por exemplo, trabalhos bem singulares, fortes, ou um hibridismo de várias
vertentes…
(DM) Não sei
responder esta pergunta. Me sinto um privilegiado de poder trabalhar com os
autores. Tudo que gravei significou um passo adiante, um aprendizado. É a união
através da música que é bacana. O feedback é que não precisa ser sempre
positivo. É uma experiência que faz com você se entenda verdadeiramente como
intérprete. Em relação ao que vem por aí, não sei responder, mas pretendo estar
por aqui.
(TP) Autores que utilizam o
material sonoro no violão em suas ideias composicionais adentram por uma esfera
da pesquisa e prática, que os faz conhecer possibilidades do instrumento, ora
indo ao encontro ora se afastando do idiomatismo. Como você encara/lida
com essa questão do idiomatismo nas obras atuais – ou mesmo as históricas –
fale sobre se existe uma relação de complexidade = menos idiomatismo… ou há
algo muito além disso…
(DM) O idiomatismo pode ser encontrado
pelo intérprete através de seus aparatos técnicos. Voltando um pouco na questão
anterior, é como acabam sendo trabalhadas encomendas.
O idiomatismo vai mudando assim como as harmonias, os
ritmos, os instrumentos. Acho difícil dizer que isso possa definir a linguagem
de um compositor (menos ou mais complexa). No entanto, aqueles idiomatismos já
conhecidos de outras épocas, quando reutilizados, podem fazer referência a quem
os “criou” por assim dizer. Acho que o idiomatismo para o compositor ou intérprete é algo que se
encontra para poder expressar alguma coisa que pode ser menos ou mais
complexa.
(TP) Daniel,
e a academia? Você versou sobre música
contemporânea em
seu Mestrado [Técnicas
estendidas para violão: hibridização e parametrização de maneiras de tocar,
2013, http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/285299]. Que experiência você já possuía antes de sua dissertação de
Mestrado com o assunto da técnica estendida para o violão?
(DM) Foi uma
experiência incrível ser orientado pelo [José Augusto]
Mannis na Unicamp. Sou muito
grato. O mais difícil foi encontrar a maneira certa de escrever. No final
utilizamos trechos de vídeos e partituras aliados a lista textual gerada pela
parametrização dos movimentos. Fizemos uma análise através da desconstrução do
gesto em listas e mais listas de movimentos utilizados para pequenos trechos
das composições onde encontrávamos uma mistura de duas ou mais técnicas
coordenadas. Minha experiência anterior nesse sentido foi um trabalho de
conclusão de curso na FASM (Faculdade Santa Marcelina] intitulado
Epígrafe sobre um universo sonoro do século XXI. Acho que a primeira peça que
toquei que precisava fazer coisas diferentes
do tocar mais tradicional foi um arranjo da Valsa
Brasileira do Edu Lobo e
o Jongo
do Paulo Bellinati. No arranjo do Paulo da Valsa
Brasileira havia uma maneira bastante pessoal de “hibridização” de
harmônicos artificiais e notas naturais. Tinha uns 14, 15 anos de idade. Conheci a música do Flo Menezes também nessa época
através do meu primo Guga Murray que estudava composição na UNESP. Ouvindo os
CD's do Studio PanAroma ficava tentando imitar alguns sons no violão, então
acabava descobrindo diferentes maneiras de tocar nessa brincadeira. Estudava
violão clássico com Floriano Gomes e tinha meu tio José Murray morando em casa.
Ouvíamos música e tocávamos juntos quase que diariamente.
(TP)
O que foi mais difícil fazer nessa pesquisa e o que
te deu mais prazer? O que pode nos dizer desse relacionamento academia/carreira
artística?
(DM) Para mim, o que dá mais prazer é pensar, absorver conteúdos.
Além disso, o intercâmbio de ideias e trazer
essas coisas do pensamento para resultados musicais. O mais difícil foi
escrever. Da minha experiência, o relacionamento academia/carreira artística
foi ótimo por um lado e não tão bom por outro. O lado bom foi aproveitar
do conhecimento adquirido para mais um passo na minha própria prática musical:
a composição. O meu lado compositor
evoluiu bastante durante o mestrado. O lado ruim é que falta tempo, então você acaba se afastando de ser seu próprio “produtor” em e-mails
não enviados, telefonemas que não tinha tempo de fazer e consequentemente menos
concertos. Por essa e outras questões não me vejo fazendo um doutorado no
momento. Não me vejo tendo
tempo para fazer isso agora.
(TP) Daniel, pra encerrar, quais são seus planos atuais? Como
está planejada sua carreira hoje, ano que vem...?
(DM) Meu tempo profissional é dividido entre trabalhar
no violão, em meus projetos artísticos e aulas na Escola Municipal de Música
(EMM). Semestre passado gravei dois discos
solo: um projeto só de músicas do
Egberto Gismonti, produzido por ele, e um disco de música brasileira para o
selo alemão Acoustic Records, a ser lançado numa
turnê em novembro próximo. Com Egberto
venho trabalhando há uns dois anos neste projeto, que envolve tudo que já
estudei dele e mais alguma coisa; são
arranjos inéditos para composições que nascem e são interpretadas por
ele ao piano (como Baião Malandro, Sete Anéis, Maracatu entre outras). Logo mais deve sair disco e álbum de
partituras (ou link para download). Gravei alguns vídeos deste projeto o ano passado. Quem tiver
interesse pode assistir pelo meu canal no YouTube [https://www.youtube.com/channel/UCCfMyprSC-OoW-In8PGdRNQ] ou página do Facebook
Outro projeto que gravei semestre passado envolve
os seguintes compositores: Victor Assis Brasil, Ernesto Nazareth, João
Pernambuco, Nelson Ayres, Edu Lobo, Heitor Villa- Lobos, Antonio Carlos Jobim,
Guinga, Paulo Bellinati, José Murray além de Egberto Gismonti e composições
minhas. É um apanhado geral de tudo que vim realizando neste sentido e que não
tinha tido a oportunidade de gravar. Foram arranjos que fui fazendo ao longo
dos anos aqui e ali. O resultado é um “panorama da música brasileira”. Esse é
que será lançado pelo selo alemão (
www.acoustic-music.de) e contou com os
trabalhos técnicos e produção executiva do músico, violonista e produtor
musical Peter Finger. Está prevista para o ano que vem uma turnê com Michala
Petri e Marilyn Masur com quem gravei na Dinamarca Brazilian Landscapes. Nos próximos projetos
devo me voltar para minhas composições além de novas parcerias e novos projetos
com Trio Opus 12 e Duo Saraiva-Murray.
(TP) Grata!!
(DM) Eu que agradeço! Abração!
Mais
Daniel Murray – Canção e Dança (1º Lugar "Concurso Novas 3")
https://www.youtube.com/watch?v=Q4V7uBiPKAY
Ladainha - Sílvio Ferraz
Quaderno - Flo Menezes
https://www.youtube.com/watch?v=6ROUQNJMnI4
Página Daniel Murray
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