domingo, 29 de julho de 2018

Busca das Sonoridades - Parte 3 - Entrevista Daniel Murray

O multifacetado Daniel Murray - Foto: Gal Opido

Na discussão de hoje, falo com Daniel Murray (São Paulo, 1981-), violonista multifacetado, que possui uma dezena de trabalhos fonográficos, de solo à variada câmara e...à máquina – Murray já trabalhou questão sonora principalmente por meio da produção dos CD’s Universos sonoros para violão e Tape Universos em ExpansãoMestre em Música pela Unicamp, esse talentoso e premiado violonista é também compositor, apresentando-se no Brasil e regularmente no exterior. Artista moderno, Murray figura em plataformas digitais como MIDEM Festival Classical:Next, está em variadas frentes na Internet e mantém uma pulsante carreira solo em paralelo a trabalhos com o consagrado Trio Opus 12 (com Paulo Porto Alegre e Christian Dozza); Chico Saraiva, no Duo Saraiva-Murray e a continuidade do foco em música brasileira com Michala Petri (flauta doce) e Marilyn Masur (percussão). Murray tem cruzado caminhos com uma sofisticada galeria de nomes do meio musical e seu esforço de produção artística se nutre do olhar positivo e determinado sobre o presente e o futuro da música instrumental e de concerto.


Teresinha Prada (TP) Daniel, qual a importância do Timbre em sua técnica? Em seus estudos/ensaios de obras, você costuma passar pelo Timbre? 
Daniel Murray (DM) Para mim a busca da sonoridade aparece no primeiro contato com o material. É o que define digitações por exemplo. Acho que a digitação pode ser considerada um dos aspectos fundamentais para escolha de sonoridades. Nesse sentido, realizar uma partitura já digitada por outro intérprete significa vestir uma “roupa que serviu para o outro”. Acho interessante “vestir essa roupa” à medida que nos dá pistas para entender como seria a interpretação do outro. No entanto, talvez nos distancie de uma interpretação pessoal que seria a compreensão musical expressa pelo desdobrar da sonoridade ou timbre (a somatória de diversos elementos), e isso se revela ao longo do tempo. Acho que o andamento escolhido influencia em como percebemos o timbre – como articulamos os ritmos e onde tocamos as notas, considerando que no violão existem diversas possibilidades. Quando começo a estudar uma obra, passo por tudo isso. Acho muito bom se permitir experimentar diversas possibilidades antes de ter algo muito definido. Gosto de ouvir todas as gravações disponíveis. Para citar um exemplo: Numa obra como a Sequenza XI de Luciano Berio, é interessante perceber as diferenças do tempo total de cada interpretação e como as versões de colorido mais violento são mais curtas que as mais contemplativas – fruto de escolhas feitas no início da peça, onde se encontra o material que vai ser trabalhado. A leitura desse material e a compreensão do mesmo através do som e da escolha de timbre influenciam a duração total dessa interpretação, que é o desenrolar da sonoridade. Tudo está conectado.   

(TP) Crê que estudos de técnica estendida entrarão (ou já entraram?) para o rol de técnicas dos violonistas? 
(DM) Acredito que é uma questão de tempo para que surjam mais métodos, peças fáceis, novos “estudos simples” que abordem questões musicais e técnicas não tão frequentadas pelos jovens estudantes de “violão clássico” ou “erudito”. Acho que está em nossas mãos criar esse tipo de material. Acredito que as chamadas “técnicas estendidas” entrarão no rol de técnicas praticadas por todos; aquelas que melhor funcionarem ou que possam ser aplicadas não só a diversas composições e estudos como à interpretação de outras peças do repertório que eventualmente não previam tais técnicas. Até pouco tempo, tocar com o polegar da M.E. (mão esquerda) digitando o braço não era comum para violonistas (dado que para guitarristas é algo mais recorrente, estou me referindo ao polegar por cima do braço para tocar baixos enquanto os outros dedos da M.E. se ocupam de alguma melodia ou acorde). Encontramos esse tipo de técnica como exceção e quase opcional em um Choro da Saudade de Agustín Barrios (dependendo do tamanho da mão ou violão) e algum exemplo parecido com o que se faz na guitarra (mencionado no parênteses acima) em violonistas/compositores do período Clássico (levando em conta também o tamanho menor da guitarra “romântica”). Não me lembro de encontrar em tablaturas da Renascença algo similar, mas não posso afirmar. Então, hoje temos as maravilhas realizadas com o polegar da M.E. por Guinga e Marcos Tardelli. Se todos começarmos a usar aqui e ali pode ser que tenhamos um dedo 5 logo mais num método como “Ciranda das Cordas”. Mas está realmente em nossas mãos.

(TP) O que você pode nos dizer a respeito de associações, julgamento de valor de alguns sons, em relação a público(s) ouvinte(s)? Você que já tocou esse repertório inúmeras vezes e lugares – a estranheza (da recepção) persiste? Percebeu mudanças?
(DM) Em uma apresentação tudo depende da sua relação com o público. Não se espera escutar uma sirene dentro de uma sala de concerto – e este é um feito incrível de Varèse. É bom que seja assim. Essa é a ideia. Alguns vídeos que tenho compartilhado nas redes sociais recebem comentários incrivelmente violentos de haters (que acredito serem pessoas desagradáveis que não tem mais o que fazer). Tão violentos que não poderia reproduzir. E há quem diga que hoje em dia não é mais possível receber uma vaia como foi da estreia da Sagração. Não desanime! Se tudo der certo, chegaremos lá!
Haters à parte, prefiro a reação (de desagrado, surpresa ou estranheza) do que a monotonia (de quem já parece saber de tudo que vai acontecer). A música sai ganhando. Tocar ou trabalhar música contemporânea com crianças é uma experiência maravilhosa. Tive a oportunidade de realizar 12 workshops através do Proac [edital de cultura do governo paulista] com a peça Happy days II de Arthur Kampela. Eram de 50 a 150 crianças de escolas públicas em diversos estados. Se estabelecer uma boa relação tudo vira um grande jogo lúdico. A tecnologia por exemplo é algo extremamente atraente. Após a apresentação da peça, perguntava a eles “o que acharam?” depois de um certo momento de timidez vários tiravam a melhor palavra de seu vocabulário da cartola. Volta e meia um que não gostava tinha coragem de falar. O comentário era sempre o mesmo “cadê o ritmo que eu tava acostumado?” e nunca de incômodo com as asperezas das sonoridades propostas.      

(TP)  Você tem sido dedicatário e/ou estreante de muitas obras, como sente que a música do século XXI para violão se estabelecerá? O que vem por aí? Por exemplo, trabalhos bem singulares, fortes, ou um hibridismo de várias vertentes…
(DM) Não sei responder esta pergunta. Me sinto um privilegiado de poder trabalhar com os autores. Tudo que gravei significou um passo adiante, um aprendizado. É a união através da música que é bacana. O feedback é que não precisa ser sempre positivo. É uma experiência que faz com você se entenda verdadeiramente como intérprete. Em relação ao que vem por aí, não sei responder, mas pretendo estar por aqui.

(TP) Autores que utilizam o material sonoro no violão em suas ideias composicionais adentram por uma esfera da pesquisa e prática, que os faz conhecer possibilidades do instrumento, ora indo ao encontro ora se afastando do idiomatismo. Como você encara/lida com essa questão do idiomatismo nas obras atuais – ou mesmo as históricas – fale sobre se existe uma relação de complexidade = menos idiomatismo… ou há algo muito além disso…
(DM) O idiomatismo pode ser encontrado pelo intérprete através de seus aparatos técnicos. Voltando um pouco na questão anterior, é como acabam sendo trabalhadas encomendas. O idiomatismo vai mudando assim como as harmonias, os ritmos, os instrumentos. Acho difícil dizer que isso possa definir a linguagem de um compositor (menos ou mais complexa). No entanto, aqueles idiomatismos já conhecidos de outras épocas, quando reutilizados, podem fazer referência a quem os “criou” por assim dizer. Acho que o idiomatismo para o compositor ou intérprete é algo que se encontra para poder expressar alguma coisa que pode ser menos ou mais complexa. 

(TP) Daniel, e a academia? Você versou sobre música contemporânea em seu Mestrado [Técnicas estendidas para violão: hibridização e parametrização de maneiras de tocar, 2013, http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/285299]. Que experiência você já possuía antes de sua dissertação de Mestrado com o assunto da técnica estendida para o violão?
(DM) Foi uma experiência incrível ser orientado pelo [José Augusto] Mannis na Unicamp. Sou muito grato. O mais difícil foi encontrar a maneira certa de escrever. No final utilizamos trechos de vídeos e partituras aliados a lista textual gerada pela parametrização dos movimentos. Fizemos uma análise através da desconstrução do gesto em listas e mais listas de movimentos utilizados para pequenos trechos das composições onde encontrávamos uma mistura de duas ou mais técnicas coordenadas. Minha experiência anterior nesse sentido foi um trabalho de conclusão de curso na FASM (Faculdade Santa Marcelina] intitulado Epígrafe sobre um universo sonoro do século XXI. Acho que a primeira peça que toquei que precisava fazer coisas diferentes do tocar mais tradicional foi um arranjo da Valsa Brasileira do Edu Lobo e o Jongo do Paulo Bellinati. No arranjo do Paulo da Valsa Brasileira havia uma maneira bastante pessoal de “hibridização” de harmônicos artificiais e notas naturais. Tinha uns 14, 15 anos de idade. Conheci a música do Flo Menezes também nessa época através do meu primo Guga Murray que estudava composição na UNESP. Ouvindo os CD's do Studio PanAroma ficava tentando imitar alguns sons no violão, então acabava descobrindo diferentes maneiras de tocar nessa brincadeira. Estudava violão clássico com Floriano Gomes e tinha meu tio José Murray morando em casa. Ouvíamos música e tocávamos juntos quase que diariamente.

(TP) O que foi mais difícil fazer nessa pesquisa e o que te deu mais prazer? O que pode nos dizer desse relacionamento academia/carreira artística?
(DM) Para mim, o que dá mais prazer é pensar, absorver conteúdos. Além disso, o intercâmbio de ideias e trazer essas coisas do pensamento para resultados musicais. O mais difícil foi escrever. Da minha experiência, o relacionamento academia/carreira artística foi ótimo por um lado e não tão bom por outro. O lado bom foi aproveitar do conhecimento adquirido para mais um passo na minha própria prática musical: a  composição. O meu lado compositor evoluiu bastante durante o mestrado. O lado ruim é que falta tempo, então você acaba se afastando de ser seu próprio “produtor” em e-mails não enviados, telefonemas que não tinha tempo de fazer e consequentemente menos concertos. Por essa e outras questões não me vejo fazendo um doutorado no momento. Não me vejo tendo tempo para fazer isso agora.

(TP) Daniel, pra encerrar, quais são seus planos atuais? Como está planejada sua carreira hoje, ano que vem...?
(DM) Meu tempo profissional é dividido entre trabalhar no violão, em meus projetos artísticos e aulas na Escola Municipal de Música (EMM). Semestre passado gravei dois discos solo: um projeto só de músicas do Egberto Gismonti, produzido por ele, e um disco de música brasileira para o selo alemão Acoustic Records, a ser lançado numa turnê em novembro próximo. Com Egberto venho trabalhando há uns dois anos neste projeto, que envolve tudo que já estudei dele e mais alguma coisa; são  arranjos inéditos para composições que nascem e são interpretadas por ele ao piano (como Baião Malandro, Sete Anéis, Maracatu entre outras). Logo mais deve sair disco e álbum de partituras (ou link para download). Gravei alguns vídeos deste projeto o ano passado. Quem tiver interesse pode assistir pelo meu canal no YouTube [https://www.youtube.com/channel/UCCfMyprSC-OoW-In8PGdRNQ] ou página do Facebook 
Outro projeto que gravei semestre passado envolve os seguintes compositores: Victor Assis Brasil, Ernesto Nazareth, João Pernambuco, Nelson Ayres, Edu Lobo, Heitor Villa- Lobos, Antonio Carlos Jobim, Guinga, Paulo Bellinati, José Murray além de Egberto Gismonti e composições minhas. É um apanhado geral de tudo que vim realizando neste sentido e que não tinha tido a oportunidade de gravar. Foram arranjos que fui fazendo ao longo dos anos aqui e ali. O resultado é um “panorama da música brasileira”. Esse é que será lançado pelo selo alemão ( www.acoustic-music.de) e contou com os trabalhos técnicos e produção executiva do músico, violonista e produtor musical Peter Finger. Está prevista para o ano que vem uma turnê com Michala Petri e Marilyn Masur com quem gravei na Dinamarca Brazilian Landscapes. Nos próximos projetos devo me voltar para minhas composições além de novas parcerias e novos projetos com Trio Opus 12 e Duo Saraiva-Murray.

(TP) Grata!!
(DM) Eu que agradeço! Abração!


Mais



Daniel Murray – Canção e Dança (1º Lugar "Concurso Novas 3")

https://www.youtube.com/watch?v=Q4V7uBiPKAY



Ladainha - Sílvio Ferraz 



Quaderno - Flo Menezes
https://www.youtube.com/watch?v=6ROUQNJMnI4 


Página Daniel Murray

 




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