segunda-feira, 20 de março de 2023

Turíbio Santos 80 anos: Parte 2

 Em continuação ao post sobre os 80 anos de Turíbio Santos, vamos falar de Parábola,  uma das obras mais importantes que já foram dedicadas a Turíbio, que a estreou em Londres em abril de 1974. 

 [Espanõl abajo/English version follows bellow]

Parábola foi composta por Leo Brouwer em 1973 e publicada em 1975 pela Editora Max Eschig, no âmbito da Coleção Turíbio Santos. Brouwer, nascido em Havana em 1939, vivenciou as vanguardas europeias dos anos 1960-70, mas de um modo totalmente natural entre o que ele já carregava de suas ancestralidades interculturais e os interesses modernos que reverberam em sua poética desde cedo.

Os rituais afro-cubanos têm um apoio fundamental na música e dança e essas se estabelecem pelos gestos tradicionais do rito, porém abertos pela improvisação no transe. Há um conjunto de cantos que, no espaço sagrado da ritualística afro, faz da repetição com diferenças o material consubstanciado do elo com o divino. Neste ambiente sonoro-corporal, a partir de ritos iniciáticos de chamamento, há metaforicamente espaço para invenção e liberdade criadora, improvisação e, à guisa de final, signos para encerrar o processo cerimonial. Células motívicas de ritual afro-cubano são muito encontradas no extenso repertório de Leo Brouwer.

Os sete movimentos de Parábola demonstram a riqueza de vários desses encontros: A– Prólogo; B– Introducción a la Danza; C– Alla Danza; D– Interludio; E– Yambú; F– Alla Danza e G– Epílogo.

O título Parábola – Essa obra para violão solo carrega uma denominação associada à geometria e/ou à metáfora linguística. Excelentes estudos sobre Parábola já foram feitos, como de Eduardo Fernández (veja em Mais), que abordou a peça em um artigo, e teve contato com Brouwer. Em seu texto, a análise destaca enlaces do processo composicional, se surge do uso da série de Fibonacci e outros meios, sem abandonar a importância da africanidade em Brouwer.

Também a dissertação de André Milagres (2015) aborda outra questão interessante de Parábola, e seus procedimentos composicionais, ao estabelecer a possibilidade da estrutura dessa música com a pintura e processos do suíço Paul Klee. Assim como os processos de Fibonacci interessaram a Béla Bartok – e este foi um dos criadores que entusiasmaram Brouwer na juventude – a pintura e  o trabalho de Klee estão entre os interesses de Brouwer.

André Milagres cita uma correspondência que teve com Turíbio Santos em que o violonista dedicatário informa a descrição feita por Brouwer, de que Parábola é como “uma sucessão de clichês violonísticos muito caros aos intérpretes, (...) arpejos sonoros e velozes, que funcionam como ornamentações”, e que isso viria a permear toda a obra para violão de Brouwer – “Uma espécie de marca registrada”. E é de se destacar o que diz a seguir: “O intérprete deve se ater aos desígnios do compositor e tocá-la de maneira bem clara, fluida, com um ligeiro embalo, à maneira de um improviso” (SANTOS, 2015 apud MILAGRES, 2015:19).

Ao fim, o título de Parábola parece abraçar tanto a ideia linguística da apreensão de algo por exposição metafórica, simbólica, e aqui cabem tanto os aportes violonísticos como diz Turíbio quanto as aproximações serializadas, estruturadas e de africanidades, como querem os estudiosos.

Isabelle Hernandez (2000:166-167) afirmou haver em Parábola os sentidos do título já comentados, bem como importância de estruturas de Klee, de africanidades e cultura cubana. Traz importantes informações sobre performances: Brouwer a tocou logo em seguida a compô-la, só informalmente como indica, e a gravou também sem pretensões em um dos estúdios do ICAIC (Instituto Cubano de Arte e Cultura Cinematográfica) e o violonista Jesús Ortega a executou em Havana no Primer Festival de Música Contemporánea de los Países Socialistas a 13 de outubro de 1974.

 


 Trecho que informa as figurações de andamentos

Fonte: André Milagres (2015:21)

 

Partituras com Improviso controlado - Turíbio fala em “à maneira de um improviso”. O artigo de Fernández atenta para a dificuldade de adesão à Parábola, posto que poucos intérpretes parecem assumir a tarefa de atender às condições para a espécie de coautoria que a obra solicita; também André Milagres aborda essa questão enumerando as raras oportunidades de se assistir à Parábola. De fato, essa é mais uma problemática da música contemporânea de concerto do que de uma obra de Brouwer. Acostumados estamos a ter o extenso repertório de Brouwer reverberado em muitas gravações e concertos, e o que se faz menos, como Tarantos e Parábola, fica ligado a ser de vanguarda, de preceitos como a escrita em módulos, Indeterminação e Aleatorismo, que afastariam o intérprete, preparado mormente para executar partituras de estética e história dadas e de fraseados prontos.

O pioneiro Gilberto Mendes (Santos, 1922-2016) em sua obra Blirium (1965) apresenta, de forma lúdica, problemática similar do debruçar-se sob uma partitura, que seja feita de instruções. O compositor santista costumava chamar a isso de “improviso controlado”, pois, mesmo com a dada liberdade, há parâmetros presentes para “fechar” o limite ao Aleatorismo total, ou ao jogo de chances de Cage.

No caso de Parábola,  a obra não está exatamente fundamentada em termos aleatórios; há formação de alturas para seguir e a presença do intérprete está na sua capacidade de expressão rítmica das células com o tracejado indicativo de velocidades relativas, incentivo a demonstrar sua atuação técnico-expressiva e, assim, entrar em sintonia com a ideia inicial do compositor.

Minimalismo e silêncio – Um prenúncio de uma etapa em outra não é algo difícil de achar em compositores que já há muito alcançaram sua “marca registrada“, e em Parábola  um certo nível de Minimalismo se acerca da obra, quando uma seção repete-se e alterna-se, às vezes por repetição simples ou com alguma diferença, por adição ou subtração de notas. 

Brouwer indica criteriosamente em Parábola  o uso de células de pausa, cujo emblemático silêncio, descrito em segundos, é um recorrente manejo da música contemporânea. 

 

 Mais:

 
Turíbio Santos em programa do 
Teatro Cultura Artística, 1982  (Ver Mais)

Edição da Max Eschig
FERNÁNDEZ, Eduardo. Sobre Parábola de Leo Brouwer, Escuela Universitaria de Música, Montevideo, Universidade de la República. Uruguay. Disponível em: https://www.eumus.edu.uy/eum/boletin/2013/10/sobre-parabola-de-leo-brouwer-por-eduardo-fernandez-escuela-universitaria-de-musica

HERNÁNDEZ, Isabelle. Leo Brouwer. Habana, Cuba: Editora Musical de Cuba, 2000.

MILAGRES, André. Parábola (1973): uma aproximação entre as ideias de Leo Brouwer e de Paul Klee. 118 fl. Dissertação (Mestrado em Música). Disponível em:http://web02.unirio.br/sophia_web/index.php?codigo_sophia=73752

Turíbio Santos. Temporada 1982 – Série Especial. 13 de julho 1982 / 21h00. Teatro Cultura Artística. Disponível em: http://www.repositorio-bc.unirio.br:8080/xmlui/handle/unirio/11188

Gilson Antunes. Áudio de Parábola – gravação ao vivo/concerto na Guildhall School. Londres, 1996. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tS8LXKROjA4

 

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Turíbio Santos 80 años: Parte 2

 A continuación del post sobre el 80 aniversario de Turíbio Santos, hablemos de Parábola, una de las obras más importantes jamás dedicadas a Turíbio, que se estrenó en Londres en abril de 1974.


Parábola fue compuesta por Leo Brouwer en 1973 y publicada en 1975 por la Editora Max Eschig, dentro de la Colección Turíbio Santos. Brouwer, nacido en La Habana en 1939, vivió las vanguardias europeas de los años 60 y 70, pero de una forma totalmente natural entre lo que ya traía de su ascendencia intercultural y los intereses modernos que reverberaban en su poética desde temprana edad.

Los rituales afrocubanos tienen un apoyo fundamental en la música y la danza y estos son establecidos por los gestos tradicionales del rito, pero abiertos por la improvisación en trance. Hay un conjunto de cantos que, en el espacio sagrado de los rituales afro, hacen de la repetición con diferencias el material consustanciado del vínculo con lo divino. En este ambiente sónico-corporal, basado en los ritos iniciáticos de la evocación, hay metafóricamente espacio para la invención y la libertad creativa, la improvisación y, a modo de final, las señales de finalización del proceso ceremonial. Las células motívicas del ritual afrocubano se encuentran a menudo en el extenso repertorio de Leo Brouwer.

Los siete movimientos de Parábola demuestran la riqueza de varios de estos encuentros: A– Prólogo; B – Introducción a la Danza; C – Alla Danza; D– Interludio; E – Yambú; F– Alla Danza y G– Epílogo.

El título Parábola – Esta obra para guitarra sola lleva un nombre asociado a la geometría y/o metáfora lingüística. Ya se han hecho excelentes estudios sobre Parábola, como el de Eduardo Fernández (vease arriba Mais), quien abordó la obra en un artículo, y tuvo contacto con Brouwer. En su texto, el análisis destaca conexiones del proceso compositivo, ya sea que surja del uso de la serie de Fibonacci y otros medios, sin abandonar la importancia de la africanidad en Brouwer.

La disertación de André Milagres (2015) también aborda otro interesante tema de la parábola, y sus procedimientos compositivos, al establecer la posibilidad de la estructura de esta música con la pintura y los procesos del artista suizo Paul Klee. Así como los procesos de Fibonacci interesaron a Béla Bartok –y fue uno de los creadores que entusiasmó a Brouwer en su juventud– la pintura y la obra de Klee están entre los intereses de Brouwer.

André Milagres cita una correspondencia que mantuvo con Turíbio Santos en la que el
guitarrista dedicado informa la descripción hecha por Brouwer, a ver,  Parábola es como “una sucesión de clichés de guitarra muy queridos por los intérpretes, (...) arpegios sonoros y rápidos, que funcionan como ornamientos”, y que esto impregnaría toda la obra guitarrística de Brouwer – “Una especie de marca registrada”. Y vale resaltar lo que dice a continuación: “El intérprete debe apegarse a los diseños del compositor y ejecutarlo de una manera muy clara, fluida, con un ligero balancearse, a la manera de una improvisación” (SANTOS, 2015 apud MILAGRES, 2015 :19).

En suma, el título de Parábola parece abrazar tanto la idea lingüística de aprehender algo a través de la exposición metafórica, simbólica, y aquí tanto aportes guitarreros, como dice Turíbio, como enfoques seriados, estructurados y africanidades, como quieren los estudiosos. 

Isabelle Hernandez (2000:166-167) afirmó que en Parábola están los significados del título ya mencionados, así como la importancia de las estructuras de Klee, las africanidades y la cultura cubana. Trae datos importantes sobre las interpretaciones: Brouwer la tocó justo después de componerla, solo de manera informal como indica, y también la grabó sin pretensiones en uno de los estudios del ICAIC (Instituto Cubano de Arte y Cultura Cinematográficos) y el guitarrista Jesús Ortega la interpretó en La Habana en el Primer Festival de Música Contemporánea de los País Socialistas el 13 de octubre de 1974.

Partituras con Improvisación Controlada - Turíbio habla de “a la manera de una improvisación”. El artículo de Fernández llama la atención sobre la dificultad de adherirse a la Parábola, pues pocos intérpretes parecen asumir la tarea de reunir las condiciones para el tipo de coautoría que la obra solicita; André Milagres también aborda este tema enumerando las raras oportunidades de ver la Parábola. De hecho, se trata más de un problema de la música de concierto contemporánea que de la obra de Brouwer. Estamos acostumbrados a que el amplio repertorio de Brouwer reverbere en muchas grabaciones y conciertos, y lo que se hace menos, como Tarantos y Parábola, está ligado a la vanguardia, a preceptos como la escritura en módulos, la Indeterminación y el Aleatoriedad, que alejarían el intérprete, especialmente preparado para interpretar partituras con una estética e historia dadas y un fraseo ya hecho.

El pionero Gilberto Mendes (Santos, 1922-2016) en su obra Blirium (1965) presenta, de manera lúdica, problema similar de estudiar detenidamente una partitura, que sea hecha por instrucciones. El compositor de Santos solía llamar a esto “improvisación controlada”, porque, aún con la libertad dada, están presentes parámetros para “cerrar” el límite a la aleatoriedad total, o al juego de azar de Cage.

En el caso de Parábola, la obra no se fundamenta precisamente en términos aleatorios; hay tonos a seguir y la presencia del intérprete está en su capacidad de expresión rítmica de las celdas con el guión indicativo de velocidades relativas, aliciente para demostrar su desempeño técnico-expresivo y, así, estar en sintonía con la idea inicial del compositor .

Minimalismo y silencio – Un presagio de una etapa a otra no es algo difícil de encontrar en compositores que han logrado su “marca registrada” hace mucho tiempo, y en Parabola un cierto nivel de Minimalismo rodea la obra, cuando una sección se repite y se alterna, a veces por simple repetición o con alguna diferencia, sumando o restando notas.

Brouwer señala juiciosamente en Parábola el uso de celdas de pausa, cuyo silencio emblemático, descrito en segundos, es un manejo recurrente de la música contemporánea.

 

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Turíbio Santos 80 years: Part 2

 Following the post on the 80th anniversary of Turíbio Santos, let's talk about Parabola, one of the most important works ever dedicated to Turíbio, which premiered in London in April 1974.

Parábola was composed by Leo Brouwer in 1973 and published in 1975 by Max Eschig Publishing House, within the Turíbio Santos Collection. Brouwer, born in Havana in 1939, lived through the European avant-gardes of the 1960s and 1970s, but in a totally natural way between what he already brought from his intercultural ancestry and the modern interests that reverberated in his Poetics since his early age.

Afro-Cuban rituals have a fundamental support in music and dance and these are established by the traditional gestures of the rite, but opened by trance improvisation. There is a set of songs that, in the sacred space of Afro rituals, make repetition with differences the consubstantiated material of the link with the divine. In this sonorous-corporal environment, based on the initiation rites of evocation, there is metaphorically room for invention and creative freedom, improvisation and, as a finale, the signs of completion of the ceremonial process. The motivic cells of Afro-Cuban ritual are often found in Leo Brouwer's extensive repertoire.

The seven movements of Parábola demonstrate the richness of several of these encounters: A– Prologue; B – Introduction to Dance; C – Alla Danza; D– Interlude; E – Yambu; F– Alla Danza and G– Epilogue.

The title Parabola – This work for solo guitar bears a name associated with geometry (parabola) and/or linguistic metaphor (parable). Excellent studies have already been done on Parabola, such as that of Eduardo Fernández (see above Mais), who addressed the work in an article, and had contact with Brouwer. In his text, the analysis highlights connections of the compositional process, whether arising from the use of the Fibonacci series and other means, without abandoning the importance of Africanness in Brouwer.

The dissertation by André Milagres (2015) also addresses another interesting theme of the Parabola, and its compositional procedures, by establishing the possibility of the structure of this music with the painting and processes of the Swiss artist Paul Klee. So, as the Fibonacci processes interested Béla Bartok – and he was one of the creators who excited Brouwer in his youth – painting and the work of Klee are among Brouwer's interests.

André Milagres cites a correspondence he had with Turíbio Santos in which the dedicated guitarist informs the description made by Brouwer, or  what, Parabola is like “a succession of guitar clichés very dear to the performers, (...) sonorous arpeggios and fast, that function as ornaments”, and that this would permeate all of Brouwer's guitar work – “A kind of registered trademark”. And it is worth highlighting what he says below: "The interpreter must adhere to the composer's designs and execute it in a very clear, fluid way, with a slight sway, in the manner of an improvisation" (SANTOS, 2015 apud MILAGRES, 2015 : 19).

In short, the title of Parabola seems to embrace both the linguistic idea of ​​apprehending something through metaphorical, symbolic exposition, and here both guitar contributions – as Turíbio says – as well as serial, structured approaches and Africanities, as scholars want. 

Isabelle Hernandez (2000:166-167) affirmed that in Parabola are the meanings of the title already mentioned, as well as the importance of Klee's structures, Africanities and Cuban culture. She brings important data about performances: Brouwer played it right after composing it, only informally as she indicates, and also recorded it unpretentiously in one of the ICAIC (Cuban Institute of Cinematographic Art and Culture) studios and the guitarist Jesús Ortega played it, performed in Havana at the First Contemporary Music Festival of the Socialist Countries on October 13, 1974.

Scores with Controlled Improvisation - Turíbio speaks of “in the manner of an improvisation”. Fernández's article draws attention to the difficulty of adhering to the Parabola, since few interpreters seem to take on the task of meeting the conditions for the type of co-authorship that the work requests; André Milagres also addresses this issue by listing the rare opportunities to watch the Parabola. In fact, it is more a problem of contemporary concert music than of Brouwer's work. We are used to Brouwer's extensive repertoire reverberating in many recordings and concerts, and what is done less, like Tarantos and Parabola, is linked to the avant-garde, to precepts such as writing in modules, indeterminacy and randomness, which would distance the performers, specially prepared to interpret scores with a given aesthetic and history and a ready-made phrasing.

The pioneer Gilberto Mendes (Santos, 1922-2016) in his work Blirium (1965) presents, in a playful way, a similar problem of poring over a score, which is made up of instructions. This Brazilian composer used to call this “controlled improvisation”, because, even with the freedom given, parameters are present to “close” the limit to total randomness or Cage's set of chance.

In the case of Parabola, the work is not precisely based on random terms; there are tones to follow and the presence of the interpreter is in his capacity for rhythmic expression of the cells with the indicative script of relative speeds, an incentive to demonstrate his technical-expressive performance and, thus, be in tune with the composer's initial idea.

Minimalism and Silence – A forshadowing of one phase to another is not hard to find in composers who have achieved their “trademark” long ago, and in Parabola a certain level of Minimalism surrounds the work, as a section repeats itself and alternates, sometimes by simple repetition or with some difference, adding or subtracting notes.

Brouwer judiciously points out in Parabola the use of pause cells, whose emblematic silence, described in seconds, is a recurrent handling of contemporary music.

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