E é bom
que muitas das facilidades exageradas desapareçam e
que
formas caiam no esquecimento (Artaud,
O Teatro e seu duplo)
A Suite VII e seu entorno
Meu primeiro post
sobre violão e música contemporânea trata da Suite VII, de Roberto Victorio.
Este grande compositor carioca, nascido em 1959, tem o violão e o violoncelo
como seus instrumentos de formação. A poética de Victorio reforça a posição do
violão num patamar de alta complexidade, em momentos representativos de sua
criação artística na melhor tradição da produção de Villa-Lobos e Brouwer.
Victorio possui mais de 200
obras em seu catálogo (http://www.robertovictorio.com.br),
sendo mais de 40 envolvendo o violão solo ou a música de câmara.
A Suite VII (2015)
foi dedicada a mim, bem como outras obras anteriores; mas outros violonistas
estão próximos a sua obra, como Paulo Pedrassoli, Gilson Antunes e mais
recentemente Stanley Levi.
Vamos seguir agora o pensamento
do autor.
Gostaria de começar uma abordagem
da Suite VII; não falarei do
objeto em si, logo de início, mas da “incubação” da obra – em especial, o uso
da palavra Suite e dos títulos em geral.
(TP) - Roberto,
podemos mais desvelar ou faltar a essa “promessa” dos títulos da Suite VII? Podemos
subtrair ou revelar a “forma” ou o demasiado revelador acaba sendo desnecessário?
A Suite atrai e “trai” o que subjaz nesse termo tão historicamente arraigado? E
o quanto devemos atravessar dessa superfície porosa no caso da Suite VII e da
série de suítes em sua produção?
(RV) O título em si é uma
aproximação com as ambiências do passado enquanto aglutinação de movimentos e
(ou) danças. Nas peças anteriores da série, por exemplo, o link entre os
movimentos foram textos / ambiências de importantes escritores chineses, do
século VIII ao século XVI ( Suítes I, II e IV); terminologia devanágari para
cidades chave do Yucatan ( Suíte III); e a aproximação com os títulos
tradicionais da forma Suíte ( Suítes V, VI e VII).
Especificamente nessas
últimas, os subtítulos empregados sugerem as possibilidades temporais dos
andamentos do passado mas com a ampliação que ultrapassa a mera expectativa de
transposição da dança. Um retorno exacerbado ao passado em uma forma que, em
sua gênese, situava-se como um aglutinador de ambiências profanas.
Esse caráter
simbiótico, já presente no estado "in natura" é elevado a potências
superiores pelo trato complexificado de cada estrutura e de cada
desenvolvimento interno dos materiais nos movimentos da peça como um todo, onde
microfragmentos que são apresentados inicialmente recebem um trato extremamente
transformador e dilatante para a composição do corpo de toda a Suíte.
Desta forma,
os subtítulos igualmente se transformam em "hiperdanças", acompanhando
o tratamento expansivo dos materiais musicais.
(TP) Sobre esse tratamento ora
aproximado ora exacerbado da Suite e do passado, no Hiperprelúdio, a frase que
dá início à música tem uma força expressiva grande no ré agudo, o ré 6,
isso me remete ao mesmo ré que inicia o Prelúdio BWV 998 (já transcrito do
original Mi bemol maior), me sugere um referencial forte, mesmo porque em ambas
há uma retomada ao final da frase inicial com o ré 6.
Do mesmo modo na
Espirallemande, o característico levare
em anacruse das notas si-si da Allemande agora da BWV 996 e a
maneira como você reiterou isso na EspirAllemande fazendo surgir várias vezes
esse levare si-si durante
a obra, circulando em espiral, tal aproximação me parece ter que ser destacada
pelo intérprete.
Sei também que você toca essas
suítes de Bach há muito tempo, guardando grande apreço por esse conjunto de
obras de alaúde, por isso fiz essa relação.
(RV) Essas aproximações
percebidas nas primeiras incursões, ou gestos iniciais e impulsionadores do
Hiperludio e da EspirAllemande foram propositais e não só como aproximação com
as Suítes de J. S. Bach para alaúde mas também com as Suítes para violoncelo
que fizeram parte dos meus estudos em ambos os instrumentos.
Cada anacruse que
surge nessa aproximação / distanciamento com o impulso original da dança se
desdobra em outros hipo-sub-gestos como ativamento da memória das suítes e
igualmente como distanciamento das mesmas, não só pelo viés harmônico que é
tratado em todas as partes mas principalmente pela descontinuidade do fluxo
imprimido a todo tempo, apesar das inúmeras repetições dos impulsos anacrústicos
que quase giram em seu próprio centro, como um ostinato.
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