segunda-feira, 18 de julho de 2016

A Suite VII de Roberto Victorio – Parte 1


E é bom que muitas das facilidades exageradas desapareçam e
que formas caiam no esquecimento (Artaud, O Teatro e seu duplo)

A Suite VII e seu entorno

Meu primeiro post sobre violão e música contemporânea trata da Suite VII, de Roberto Victorio. Este grande compositor carioca, nascido em 1959, tem o violão e o violoncelo como seus instrumentos de formação. A poética de Victorio reforça a posição do violão num patamar de alta complexidade, em momentos representativos de sua criação artística na melhor tradição da produção de Villa-Lobos e Brouwer.
Victorio possui mais de 200 obras em seu catálogo (http://www.robertovictorio.com.br), sendo mais de 40 envolvendo o violão solo ou a música de câmara.
A Suite VII (2015) foi dedicada a mim, bem como outras obras anteriores; mas outros violonistas estão próximos a sua obra, como Paulo Pedrassoli, Gilson Antunes e mais recentemente Stanley Levi.
Vamos seguir agora o pensamento do autor.
Gostaria de começar uma abordagem da Suite VII; não falarei do objeto em si, logo de início, mas da “incubação” da obra – em especial, o uso da palavra Suite e dos títulos em geral.

(TP) - Roberto, podemos mais desvelar ou faltar a essa “promessa” dos títulos da Suite VII? Podemos subtrair ou revelar a “forma” ou o demasiado revelador acaba sendo desnecessário? A Suite atrai e “trai” o que subjaz nesse termo tão historicamente arraigado? E o quanto devemos atravessar dessa superfície porosa no caso da Suite VII e da série de suítes em sua produção?

(RV) O título em si é uma aproximação com as ambiências do passado enquanto aglutinação de movimentos e (ou) danças. Nas peças anteriores da série, por exemplo, o link entre os movimentos foram textos / ambiências de importantes escritores chineses, do século VIII ao século XVI ( Suítes I, II e IV); terminologia devanágari para cidades chave do Yucatan ( Suíte III); e a aproximação com os títulos tradicionais da forma Suíte ( Suítes V, VI e VII). 
Especificamente nessas últimas, os subtítulos empregados sugerem as possibilidades temporais dos andamentos do passado mas com a ampliação que ultrapassa a mera expectativa de transposição da dança. Um retorno exacerbado ao passado em uma forma que, em sua gênese, situava-se como um aglutinador de ambiências profanas. 
Esse caráter simbiótico, já presente no estado "in natura" é elevado a potências superiores pelo trato complexificado de cada estrutura e de cada desenvolvimento interno dos materiais nos movimentos da peça como um todo, onde microfragmentos que são apresentados inicialmente recebem um trato extremamente transformador e dilatante para a composição do corpo de toda a Suíte.

Desta forma, os subtítulos igualmente se transformam em "hiperdanças", acompanhando o tratamento expansivo dos materiais musicais.

(TP) Sobre esse tratamento ora aproximado ora exacerbado da Suite e do passado, no Hiperprelúdio, a frase que dá início à música tem uma força expressiva grande no ré agudo, o ré 6, isso me remete ao mesmo ré que inicia o Prelúdio BWV 998 (já transcrito do original Mi bemol maior), me sugere um referencial forte, mesmo porque em ambas há uma retomada ao final da frase inicial com o ré 6. 
 
Do mesmo modo na Espirallemande, o característico levare em anacruse das notas si-si da Allemande agora da BWV 996 e a maneira como você reiterou isso na EspirAllemande fazendo surgir várias vezes esse levare si-si durante a obra, circulando em espiral, tal aproximação me parece ter que ser destacada pelo intérprete.
 
Sei também que você toca essas suítes de Bach há muito tempo, guardando grande apreço por esse conjunto de obras de alaúde, por isso fiz essa relação.

(RV) Essas aproximações percebidas nas primeiras incursões, ou gestos iniciais e impulsionadores do Hiperludio e da EspirAllemande foram propositais e não só como aproximação com as Suítes de J. S. Bach para alaúde mas também com as Suítes para violoncelo que fizeram parte dos meus estudos em ambos os instrumentos. 
Cada anacruse que surge nessa aproximação / distanciamento com o impulso original da dança se desdobra em outros hipo-sub-gestos como ativamento da memória das suítes e igualmente como distanciamento das mesmas, não só pelo viés harmônico que é tratado em todas as partes mas principalmente pela descontinuidade do fluxo imprimido a todo tempo, apesar das inúmeras repetições dos impulsos anacrústicos que quase giram em seu próprio centro, como um ostinato.

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