quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Parte 5 - Música Contemporânea para Violão em Livros... Paulo de Tarso Salles



É impressionante o esforço que se faz, no Brasil, para rebaixar Villa-Lobos da posição de destaque, de fato invejável, que ele tem no cenário da música de todo o século XX. Acho que só Freud pode explicar.
(Gilberto Mendes, Uma odisseia musical, 1994, p.118)



Villa-Lobos: processos composicionais
Editora Unicamp , Campinas, 2009
autor: Paulo de Tarso Salles

Paulo de Tarso Salles é compositor, pesquisador, professor na Universidade de São Paulo e violonista. Este livro é fruto de seu doutorado na Universidade Estadual de
Campinas. O trabalho se aprofunda nos procedimentos da grandiosa produção musical de Villa-Lobos e em aproximações a momentos históricos do século XX que primaram pela inovação de processos; assim, desde Wagner,  passando por nomes modernos como Messiaen, Varèse, Webern e Berg, Salles retoma a essência das novas sonoridades, de uma forma envolvente e bem explorada.

O autor vê na produção de Villa-Lobos, especificamente entre os anos de 1918 e 1929, o momento em que “novas sintaxes musicais” estão bem mais demonstradas (SALLES, 2009, p. 17), incluindo suas peças para violão, o que reforça toda a literatura que envolve Villa-Lobos quanto à inovação em sua poética recair justamente na década de 20 do século XX. O diálogo entre poéticas é promovido aqui, não como influência, mas como uma opção do compositor carioca pela inovação, pela ala que foi além da tradição.

Uma aproximação a Wagner se faz presente na série dos Prelúdios para violão de 1940, quando Salles aponta o Acorde de Tristão na seção central do Prelúdio 3 (p. 35); trata-se de um exame da peça a partir desse enlace, reelaborando a visão comum que se tem desse Prelúdio.

Um dos aspectos mais trabalhados no estudo de Salles é a Simetria, explanando esse conceito aplicado na composição em geral e depois centrando em Villa-Lobos. O interessante é que no Estudo 12 as combinações simétricas provenientes da digitação instrumental são  apontadas pelo autor como um processo que será retomado na sua produção em geral: “Da escrita violonística de Villa-Lobos emergem aplicações interessantes da técnica de gerar material a partir da digitação” transportando “essa classe de operações para sua música orquestral e camerística” (SALLES, 2009, p. 48-49).

O método de estudo comparativo permeia todo o texto de Salles, o que permite abordar obras como o Estudo 5 para violão, A Moreninha (piano) e a obra orquestral Uirapuru, em relação a simetrias (p. 56-57). Abordando aspectos dos 12 Estudos (p. 57 a 62), Salles destaca que nesse ciclo, revela-se com clareza alguns dos procedimentos mais comuns de Villa-Lobos, “talvez pela pequena extensão de cada estudo” – tal verificação é bem visível pela “ação mais concentrada” no instrumento. No Estudo 1, Salles vê uma conjugação de progressões harmônicas tonais, escrita idiomática e planos de simetria;  nos Estudos 8 e 11, outras aplicações de simetrias.

Os processos que envolvem Texturas são explanados pelo autor, dentro do contexto afeito à música pós-tonal, exemplificando em obras como a Valsa-Choro (p. 71-72), essa de maneira tonal, mas já estabelecendo uma ideia de camadas e planos, porém um tópico é aberto exclusivamente para tratar das texturas nos 12 Estudos para violão (p. 93 a 96), e Salles destaca em especial a conquista do “contínuo sonoro” nos estudos 10, 11 e 12.  Salles reitera assim a importância deste ciclo, posicionando o violão em um “novo patamar”.

Faz uma interessante conclusão sobre a segunda fase criativa de Villa-Lobos ter fornecido as bases para toda a sua produção posterior. Uma abordagem sobre O Sexteto Místico (p. 118) explana interessantes  processos detectados pelo autor nessa e em obras comparadas, reforçando a ideia desse período da vida do compositor ter sido o de experiências em sua poética.

Há muito mais a ser considerado, como por exemplo a ideia de cadências em Villa-Lobos em aproximações com Varèse e Wagner (p. 143-146), a escolha instrumental destacando o Timbre, antevendo cores e ambiências procuradas por nomes como Messiaen, Ligeti ou Xenakis.  São proposições que devem ser assimiladas pelo leitor, que tem em mãos um livro de um autor que é compositor, violonista e professor, que produz um texto analítico muito instrutivo, abarcando vários termos específicos aos quais não se furta a explicar substancialmente. Para os pesquisadores na área, há uma bibliografia de mais de 200 títulos, índices onomásticos e remissivos que rapidamente levam para os termos de interesse.

O violão está presente no texto todo em inúmeras constatações que Salles faz chegar ao leitor e ainda sugere aberturas para outros usos por suas muitas interlocuções, inclusive para a performance.

O título do livro não é mera retórica, pois Salles tem o objetivo de questionar o discurso das meras suposições a respeito do compositor e, finalmente, demonstrar a técnica e a construção poética desse consagrado artista.

Livro de Salles aborda a obra de Villa-Lobos de maneira poucas vezes vista, com ferramentas analíticas e aproximação a grandes poéticas de vanguarda do século XX, desmistificando a propalada excentricidade do compositor.

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