É impressionante o esforço que se faz, no Brasil, para
rebaixar Villa-Lobos da posição de destaque, de fato invejável, que ele tem no
cenário da música de todo o século XX. Acho que só Freud pode explicar.
(Gilberto Mendes, Uma odisseia musical, 1994, p.118)
Villa-Lobos: processos composicionais
Editora
Unicamp , Campinas, 2009
autor: Paulo
de Tarso Salles
Paulo de Tarso Salles é compositor, pesquisador, professor
na Universidade de São Paulo e violonista. Este livro é fruto de seu doutorado
na Universidade Estadual de
Campinas. O trabalho se aprofunda nos procedimentos da grandiosa
produção musical de Villa-Lobos e em aproximações a momentos históricos do
século XX que primaram pela inovação de processos; assim, desde Wagner, passando por nomes modernos como Messiaen,
Varèse, Webern e Berg, Salles retoma a essência das novas sonoridades, de uma
forma envolvente e bem explorada.
O autor vê na produção de Villa-Lobos, especificamente entre
os anos de 1918 e 1929, o momento em que “novas sintaxes musicais” estão bem
mais demonstradas (SALLES, 2009, p. 17), incluindo suas peças para violão, o que reforça toda
a literatura que envolve Villa-Lobos quanto à inovação em sua poética recair
justamente na década de 20 do século XX. O diálogo entre poéticas é promovido
aqui, não como influência, mas como uma opção do compositor carioca pela
inovação, pela ala que foi além da tradição.
Uma aproximação a Wagner se faz presente na série dos Prelúdios para violão de 1940, quando Salles
aponta o Acorde de Tristão na seção
central do Prelúdio 3 (p. 35);
trata-se de um exame da peça a partir desse enlace, reelaborando a visão comum
que se tem desse Prelúdio.
Um dos aspectos mais trabalhados no estudo de Salles é a
Simetria, explanando esse conceito aplicado na composição em geral e depois
centrando em Villa-Lobos. O interessante é que no Estudo 12 as combinações simétricas provenientes da digitação
instrumental são apontadas pelo autor como
um processo que será retomado na sua produção em geral: “Da escrita
violonística de Villa-Lobos emergem aplicações interessantes da técnica de
gerar material a partir da digitação” transportando “essa classe de operações
para sua música orquestral e camerística” (SALLES, 2009, p. 48-49).
O método de estudo comparativo permeia todo o texto de
Salles, o que permite abordar obras como o Estudo
5 para violão, A Moreninha
(piano) e a obra orquestral Uirapuru,
em relação a simetrias (p. 56-57). Abordando aspectos dos 12 Estudos (p. 57 a 62), Salles destaca que nesse ciclo, revela-se
com clareza alguns dos procedimentos mais comuns de Villa-Lobos, “talvez pela
pequena extensão de cada estudo” – tal verificação é bem visível pela “ação
mais concentrada” no instrumento. No Estudo
1, Salles vê uma conjugação de progressões harmônicas tonais, escrita
idiomática e planos de simetria; nos Estudos 8 e 11, outras aplicações de simetrias.
Os processos que envolvem Texturas são explanados pelo
autor, dentro do contexto afeito à música pós-tonal, exemplificando em obras
como a Valsa-Choro (p. 71-72), essa
de maneira tonal, mas já estabelecendo uma ideia de camadas e planos, porém um
tópico é aberto exclusivamente para tratar das texturas nos 12 Estudos para violão (p. 93 a 96), e
Salles destaca em especial a conquista do “contínuo sonoro” nos estudos 10, 11
e 12. Salles reitera assim a importância
deste ciclo, posicionando o violão em um “novo patamar”.
Faz uma interessante conclusão sobre a segunda fase
criativa de Villa-Lobos ter fornecido as bases para toda a sua produção
posterior. Uma abordagem sobre O Sexteto
Místico (p. 118) explana interessantes
processos detectados pelo autor nessa e em obras comparadas, reforçando
a ideia desse período da vida do compositor ter sido o de experiências em sua
poética.
Há muito mais a ser considerado, como por exemplo a ideia
de cadências em Villa-Lobos em aproximações com Varèse e Wagner (p. 143-146), a
escolha instrumental destacando o Timbre, antevendo cores e ambiências procuradas
por nomes como Messiaen, Ligeti ou Xenakis.
São proposições que devem ser assimiladas pelo leitor, que tem em mãos
um livro de um autor que é compositor, violonista e professor, que produz um
texto analítico muito instrutivo, abarcando vários termos específicos aos quais
não se furta a explicar substancialmente. Para os pesquisadores na área, há uma
bibliografia de mais de 200 títulos, índices onomásticos e remissivos que
rapidamente levam para os termos de interesse.
O violão está presente no texto todo em inúmeras
constatações que Salles faz chegar ao leitor e ainda sugere aberturas para outros
usos por suas muitas interlocuções, inclusive para a performance.
O título do livro não é mera retórica, pois Salles tem o
objetivo de questionar o discurso das meras suposições a respeito do compositor
e, finalmente, demonstrar a técnica e a construção poética desse consagrado
artista.
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