... o caso de Heitor Villa-Lobos seguiria sendo uma
exceção. Sendo ele mesmo violonista, sua linguagem no instrumento tinha o
privilégio de desbravar caminhos.
Turibio Santos
Heitor Villa-Lobos e o Violão
Edição: Museu Villa-Lobos, Rio de Janeiro, 1975
Autor: Turibio Santos
O pequeno
livro de Turibio Santos é um texto pioneiro com grandes informações que
contribuíram em muitos objetos de pesquisa.
No primeiro
capítulo, Turibio Santos mostra a relação de Villa-Lobos com a forte cultura
popular brasileira, os primeiros escritos de um aspirante a compositor e como
tudo isso conflui para uma obra vasta e precursora dedicada ao violão, em
ambientes que vão de uma cidade “pacata e burguesa” como o Rio de Janeiro à
agitada e cosmopolita Paris.
O autor vê
nas quatro peças da Suíte Popular Brasileira – Mazurka-Choro,
Schottisch-Choro, Valsa-Choro e Gavotta-Choro –, um retrato musical
da belle époque carioca, além de “um embrião dos Estudos e Prelúdios”.
Atenta também para o fato de que o Chorinho, composto em 1923 em Paris,
é o único em que “a região grave do instrumento tem papel preponderante, como
sucederá a partir dos Doze Estudos, compostos em 1929” (SANTOS, 1975, p.9).
No capítulo
2, apresenta dois dos momentos mais marcantes da história do violão do século
XX: o encontro Andrés Segovia & Heitor Villa-Lobos – lá está a famosa
descrição dessa ocasião, primeiro dando a palavra a Villa-Lobos e depois a
Segovia – e a criação dos 12 Estudos. O autor afirma: “Por um lado
Villa-Lobos abriu um novo panorama para o instrumento, um novo padrão técnico e
estético, sendo Segovia o primeiro beneficiado; por outro o grande virtuose
espanhol ajudaria na divulgação do gênio brasileiro através de todo o mundo”
(p. 14).
O Capítulo
3 aborda diretamente os 12 Estudos compostos entre 1924 e 1929. Turibio
crê que muitas ideias desta coleção já estariam armazenadas no mundo musical de
Villa-Lobos há tempos antes. Algumas das reflexões que Turibio faz sobre os Estudos:
- Estudo
1 – considera como uma Bachianas Brasileiras miniaturizada. Interessante
sua visão de que: “Embora a utilização das cordas soltas e dos cromatismos,
sobre uma única posição, dê ao violão sua capacidade máxima de volume, o Cravo
Bem Temperado está constantemente presente” (p.16);
- Estudos
2, 3 e 9 – desenvolvimento de fórmulas à maneira de Carcassi, Carulli ou
Aguado, e no acompanhamento “influência do chorão, embora dominada totalmente pelo
criador erudito buscando preencher lacunas no repertório do instrumento” (p.15);
- Estudos
4 e 6 – arcabouços muito próximos do acompanhamento popular;
- Estudos
7, 10, 11 e 12 – nestes estariam o grande desafio à técnica e o convite às
inovações da série;
- Estudo
10 – células rítmicas oriundas do samba ou da música africana (p.19);
- Estudo
11 – um tratamento imitativo da sonoridade do violoncelo, em um canto de
feições brasileiras, em contraste com a ornamentação ligeiramente
impressionista. Na parte central: “o efeito de campanela, utilizando em
determinados momentos cinco ‘mis’ do violão e fazendo-os contrastar com o ré da
quarta corda, marca data na história do instrumento” (p.20).
Turibio
Santos percebe os três últimos Estudos como um acervo para o surgimento
dos Prelúdios de 1940, principalmente em nuances do Estudo 11.
Atenta para
a complexidade e o esforço demandado na abordagem dessas obras por parte dos
estudantes, suscitando cuidados especiais, ou seja, há o momento certo para abordá-los.
Os
capítulos 4 e 5 tratam dos Prelúdios. Turibio deixa evidente que na
produção de Villa-Lobos houve um chamamento constante ao violão, seja por obras
originais ou transcrições – em todos os momentos da carreira, o compositor
sempre retornava ao violão.
No Prelúdio
4, “homenagem ao índio brasileiro”, o autor destaca a “utilização perfeita”
das ressonâncias do violão. “Elas aparecem em toda a obra de Villa-Lobos mas
aqui são vestidas, ademais, pela melodia reproduzida com os harmônicos naturais”.
Constata aproximações entre a parte central do Prelúdio 4 a do Prelúdio
2 e Estudo 11, ou seja: “uma melodia nas cordas graves acompanhada
por um arpejo, baseado numa só posição, que desfila nos trastes do instrumento”
(p.27).
Ao final do
livro há uma relação ampla de obras compostas para violão por Heitor
Villa-Lobos, reunindo transcrições, música de câmara com violão e as partituras
perdidas. Essa lista foi estabelecida pelo poeta e compositor Hermínio Bello de
Carvalho, grande nome do meio artístico brasileiro – conjuntamente, ele,
Jodacil Damaceno e Turibio Santos tiveram contatos com Villa-Lobos (entre 1956
e 1958, no Rio), guardando anotações e lembranças, então posteriormente
adaptadas para este livro.
Por
gerações o nome de Turibio Santos vem sendo escrito na história dos grandes
intérpretes do violão, e certamente assim continuará. Esse livro é mais um dado
que demonstra tal grandeza; sua lucidez em registrar formalmente todos esses
dados de Villa-Lobos, compartilhados já nos anos 1970, suscitou inúmeras
pesquisas a partir de seu texto altamente perceptivo, inclusive vislumbrando a
dimensão que teria a obra de Villa-Lobos, pouco mais de 10 anos após a morte do
compositor (veja-se o capítulo As consequências de uma obra).
O livro
está com a edição esgotada. Provavelmente pode ser encontrado em bibliotecas de
universidades, centros musicais e no Museu Villa-Lobos (Rio de Janeiro).
Mais:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.